"As moscas", de Jean-Paul Sartre (1905-1980), é uma peça teatral escrita no ano de 1943, em meio a Segunda Gerra Mundial. Esta peça trata do dilema de um jovem chamado Orestes que vê-se cobrado por sua irmã Electra a se vingar dos assassinos de seu pai Agamêmnon. Todavia, o jovem vive o drama moral de se vingar da morte do pai para assumir seu trono de direito, matando a própria mãe Clitemnestra e seu amante Egisto assassinos e usurpadores de seu trono.
A peça é inspirada na obra do grego Eurípides poeta e dramaturgo clássico do século V a. C., este era considerado um precursor do texto teatral filosófico, por isto fora chamado de "filósofo do teatro", porque em suas peças, procurava sempre pensar a condição da mulher na sociedade grega dentre outros temas filosóficos. Deste modo, não é só a peça escolhida que aproxima Sartre de Eurípides, mas ambos usam o drama para filosofar sobre a condição existencial humana.
A tragédia de Orestes é um braço de um drama maior criado por Eurípides que começa basicamente com a história de Ifigênia. Quando Helena é sequestrada e levada para Tróia, Agamêmnon está preparando os meios para a guerra devido a afronta a seu irmão Menelau, marido de Helena. Tudo estava pronto para ida dos gregos à Troia, mas Agamênon caça um cervo em uma floresta sagrada e se gaba de sua arte de caçador. A deusa Ártemis manda ventos fortes no porto Áulis que impedem os navios de seguir seu caminho. Os ventos só seriam cessados se o rei Agamêmnon sacrificasse sua filha Ifigênia. O rei faz toda uma trama de mentiras para atrair a filha, enganando a mãe Clitemnestra, dizendo a mesma que trouxesse a filha para ser desposada por Aquiles. Depois de muitas reviravoltas, em que o próprio Aquiles quis travar uma guerra para salvar a jovem donzela, Ifigênia se doa em sacrifício para impedir a guerra entre seu povo. A deusa Ártemis troca seu corpo por um cervo no momento do sacrifício e a torna sacerdotisa, todavia, sua mãe acaba se vingando sete anos depois de sua suposta morte, matando Agamêmnon. Tempo depois, Orestes que fora exilado, volta para se vingar e mata a própria mãe Clitemnestra e o seu amante Egisto.
A peça "As Moscas", de Jean- Paul Sartre, detém-se na vingança de Orestes para analisar a crise moral de um homem diante do matricídio e regicídio. Todavia, para além da tragédia por vingança, Sartre usa a peça como alegoria para refletir sobre a liberdade diante da opressão e culpa. Vale também salientar a principal diferença entre o Orestes da peça de Eurípides que é sucumbido pela culpa e o Orestes da peça de Sartre que além de não se culpar, ainda carrega consigo a culpa do povo de Argos.
A peça de Sartre é um exemplo de arte engajada, "teatro de situações", porque por meio do enredo pode fazer premissas filosóficas didáticas e manejando um pensamento que possa ser subversivo, proporcionando a luta social diante de um opressor vigente, tanto de ordem governamental física, pessoal ou moral religiosa.
A peça foi encenada no ano de 1943, época em que a França fora submetida à Alemanha, porque havia se rendido no ano de 1940. Sendo assim, as moscas simbolizam o invasor Nazista que oprime e come a carne da população. Argos é a França invadida; as moscas são os Nazistas e suas ideologias; os personagens cobertos por moscas são os franceses submetidos aos ideias Nazistas obrigados a colaborar mesmo sem compactuar com os ideias de Hitler. As moscas também podem representar a culpa moral imputada pela Igreja Católica francesa da época que colaborava com os Nazistas.
As moscas estão sobre a população de Argos, comendo e deixando em carne viva sua pele, como castigo pelos crimes de Clitemnestra e seu amante Egisto. Da mesma maneira, Sartre aponta que a população francesa sofre as mazelas de escravização, humilhação e submetimento a ideologia que não lhe pertencia.
Contudo, Sartre não só aponta as culpas e mazelas da omissão de Argos diante da falta de luta por sua liberdade, ele demonstra como deveria haver a libertação por meio da personagem Orestes.
As moscas estão sobre a população de Argos, comendo e deixando em carne viva sua pele, como castigo pelos crimes de Clitemnestra e seu amante Egisto. Da mesma maneira, Sartre aponta que a população francesa sofre as mazelas de escravização, humilhação e submetimento a ideologia que não lhe pertencia.
Contudo, Sartre não só aponta as culpas e mazelas da omissão de Argos diante da falta de luta por sua liberdade, ele demonstra como deveria haver a libertação por meio da personagem Orestes.
Enredo da peça
Orestes e o Pedagogo chegam a cidade de Argos e encontram as pessoas cobertas por moscas gigantes que comem as carnes dos mesmos. Logo de imediato, tentam falar com umas mulheres que fogem, algum tempo depois, encontram um personagem que se chama o Idiota que é o único que os responde monossilabicamente. O Idiota expressa bem, logo no início da peça, a condição que está a cidade de Argos.
Em busca de encontrar sua irmã Electra e levá-la embora da cidade, horrorizado com a condição de culpa e miséria em que vivem os habitantes de Argos, ele tem um outro caminho que lhe é imposto. Electra não quer sair de sua cidade, não quer deixar a única forma de vida que conhece. Ela até se encanta em imaginar os lugares alegres, onde as crianças e seus familiares vivem sem culpa que Orestes descreve, mas sua ânsia por vingança é maior. Orestes é influenciado a cometer o matricídio a pedido da irmã e, também, no impulso de limpar a honra de seu pai.
O crime está prestes a ser cometido, mas o deus Júpiter tenta intervir, avisando a Egisto, mas este não quer matar, não quer viver mais com a culpa e suas companheiras moscas. Ele prefere ser morto por seu enteado vingativo. Depois de idas e vindas dialógicas, Orestes mata Egisto e sua mãe Clitemnestra, acreditando que poderá ser feliz com sua irmã. Todavia, apesar de Electra dançar em um ritual dedicado aos mortos, como ato de subversão e no intuito de mostrar aos habitantes de Argos que a culpa não existe, ela não tem a capacidade de viver e conviver com a liberdade de suas escolhas. Ela se volta contra Orestes e pede o refúgio nos braços opressores de Júpiter sendo ornada pelas moscas carnívoras. Orestes, por sua vez, sendo um homem livre, não consegue ser atingido pelas Eríneas nem pelas moscas, mas quando é cercado no templo de Delfos pelos habitantes de Argos, ele lhes dá a solução final: diz que irá levar as moscas daquele lugar, tal qual um dia, um certo rapaz encantou com uma flauta os ratos que atormentavam outra cidade.
É complicado dizer o que significa uma obra de arte e mais uma peça teatral que fora escrita para refletir sobre temas e problemas existenciais filosóficos. A peça "As Moscas" é uma alegoria do problema da culpa e do caráter ambivalente da liberdade. Todos somos fadados a enfrentar a liberdade. Electra queria a vingança, mas não suportou a responsabilidade de tê-la quando viu sua mãe assassinada, em contra partida, Orestes é o exemplo literário do homem livre. O homem livre de remorsos, o libertador tal qual Sartre gostaria de ser para seus contemporâneos. Sejam os remorsos "criados" por uma lei moral religiosa ou por suas próprias ações pessoais. Como afirma o próprio Orestes: "O mais covarde dos assassinos é o que tem remorsos".