sexta-feira, 11 de março de 2016

RESENHA DE "O DUPLO", DE FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

In memorian do herói Golyádkin


"O Duplo" é o segundo romance publicado por Fiódor Dostoiévski, no ano de 1846. O romance é narrado em terceira pessoa, mas o narrador, apesar de ter um cunho psicológico, só se detém na figura do Yákov Pietrovitch Golyádkin: a quem dá o epíteto de herói. O romance se passa na casa do herói, na repartição em que trabalha, em algumas tabernas e na casa do chefe da repartição. Até chegar ao destino menos desejado, mas obviamente esperado pelo leitor.

Em uma manhã qualquer, às 8:00, Y. P. Golyádkin acorda e levanta, "[...] Aliás, ficou uns dois minutos deitado em sua cama, imóvel, como alguém que ainda não sabe direito se acordou ou continua dormindo" (p.9), e chama seu servo para preparar sua roupa que fora adquirida recentemente. Em seguida, pede para seu criado chamar uma charrete. Quando parte para seu primeiro compromisso - que é uma consulta médica - um colega de trabalho reconhece nosso herói e fala com ele admirado, todavia o nosso herói o ignora. 

Ao chegar no consultório do médico Crestian Ivánovitch, conversa de forma inteligível: gaguejando, confuso e afetado ao defender sua honra e dignidade. O médico receita, para o bem de sua enfermidade, a convivência social, porém nosso herói afirma: 

"- Eu, Crestian Ivánovitch - continuou o senhor Golyádkin no mesmo tom anterior, um pouco irritado e preocupado com a extrema insistência de Crestian Ivánovitch -, eu, Crestian Ivánovitch, gosto da tranquilidade e não do burburinho da alta sociedade. Lá entre eles, digo, na alta sociedade, Crestian Ivánovitch, é necessário saber fazer rapapés (nisso o senhor Golyádkin roçou com o pé), lá se cobra isso, e também se cobram trocadilhos... capacidade de fazer elogios inebriantes... é isso que lá se cobra, mas isto não aprendi Crestian Ivánovitch, não aprendi esses artifícios; faltou-me tempo" (p. 23).

Nosso herói não sabe falar direito e se percebe isto no diálogo com o médico Crestian Ivánovitch que o observa de forma admirada e curiosa. Golyádkin defende a sua magnitude de caráter e se comparando com seus colegas de trabalho que na visão dele são inimigos, tramadores de intrigas em virtude de uma inveja constante que nutrem pelo mesmo. Ao conversar com o médico, ele afirma não saber lidar com fofocas e manipulações, mas ao mesmo tempo que tenta se distinguir, não tem como falar de si como diferente sem expôr os supostos inimigos, ou seja, fazer fofocas confundindo o leitor sobre seu caráter verídico. E isto fica mais acentuado quando ele desse do consultório, pois diante da sua encenação ou realismo perante o médico, o narrador expressa os pensamentos do nosso herói:

"'Esse doutor é um tolo - pensou o senhor Golyádkin, encafuando-se na carruagem-, um pateta. Talvez até trate bem seus doentes, mas mesmo assim... é uma toupeira'. O senhor Golyádkin acomodou-se, e Pietruchka gritou: 'Vamos lá' - e a carruagem voltou a rodar pela avenida".

Partindo deste momento da narrativa, a história se desdobra como a personagem, nos deixando confusos e intrigados pelas intrigas verídicas ou fictícias do herói Golyádkin.

O herói passa a manhã fazendo compras, depois que saiu do médico. Em seguida, vai a um restaurante que nunca havia ousado entrar. Com esta atitude, demostra-se estar fugindo dos hábitos antigos. Neste lugar, encontra dois colegas de repartição que ficam admirados ao vê-lo no ambiente. O colegas expressam a admiração ao herói que rebate as palavras dizendo:

" - O senhores todos me conhecem, mas até agora só conhecem um lado meu. Neste caso não cabe censurar ninguém, e confesso que eu mesmo tenho uma parte da dupla" (p. 37).

Os colegas de trabalho ficam perplexos, mas os funcionários do restaurante riem da figura do herói, mas o mesmo os rebate de forma ríspida:

"- Riam, senhores, riam por enquanto. Vivam, e verão - disse ele com sentimento de dignidade, pegando o chapéu e rumando para a porta. - Porém vou dizer mais, senhores, acrescentou, dirigindo-se pela última vez aos senhores registradores -, vou dizer mais; ambos estão aqui olho no olho comigo. Eis, senhores, minhas regras: se fracasso, não desanimo; se atingido o objetivo, sigo firme, e seja como for nunca armo tramas. Não sou de intrigas e disto me orgulho. Não serviria para diplomata. Dizem ainda, senhores, que a própria ave voa à procura do caçador. É verdade, e estou propenso a aceitar: mas quem aqui é caçador? Isto ainda é uma questão. (...) despediu-se dos senhores funcionários com um sinal de cabeça e saiu, deixando-os extremamente perplexos (p. 38-39). 

Vê-se que Golyádkin provoca uma admiração por fugir de sua vida diária. O que se percebe é que era um homem simples, de vida nas sombras da indigência, indo de sua casa para o trabalho e do trabalho para casa, sem participar de ambientes sociais mais elevados. Não sabendo se comportar de forma politicamente correta, torna-se alvo de riso, mas o interessante é que os funcionários só riem da figura de Golyádkin quando este lhes dá o dinheiro. Isto é algo a se pensar, mas de tão óbvio ninguém nem perde tempo: só valemos o dinheiro que temos, os amigos ricos ou famosos que demostramos ter e a aparente capacidade de enganar os outros é que mostra o valor. A todo momento Golyádkin tenta fazer o novo ambiente social observar seus valores preciosos de dignidade que ele valoriza, mas por isto é alvo de ridicularização. Logo após esta pequena saga diária incomum, o herói segue para seu destino tão planejado. Ele espera por um grande momento: a hora da festa da Clara Olsúfievna. Quando chega na casa, logo de início, o criado afirma que o herói não fora convidado, mas o mesmo afirma que fora convidado. Quando o Senhor Golyádkin se sente ultrajado e tenta entrar, um de seus colegas que encontrara tempos antes, impede sua entrada, foçando-o a descer para que não importune o dono da casa que é o chefe de ambos.

Golyádkin fica decepcionado, anda sem rumo pelas ruas até chegar em uma taverna e depois de tomar umas e outras, volta até a casa de seu chefe para reivindicar seu suposto convite. Fica na espreita no fundo da casa até conseguir uma brecha e entrar pela cozinha. Enquanto nosso herói perambula desorientado, o narrador descreve no capítulo IV a festa de aniversário e toda pomba da casa de Clara Olsúfievna. Todavia, não se detém na descrição deste ambiente, mesmo com toda riqueza deste lugar ele prefere a riqueza do herói. O narrador nos leva, como um anjo guardador ou observador, até o senhor Golyádkin. Para justificar esta ação, o narrador afirma:

"Para tudo isso, como já tive a honra de vos explicar, oh leitores! Falta-me pena, e por esta razão me calo. É melhor nos voltarmos para o senhor Golyádkin, o único, o verdadeiro herói da nossa mui verídica história" (p. 50).

O fato é que o narrador nos leva para o pobre e desolado herói fracassado que toma uma atitude: decidi penetrar na festa. Nosso herói ficou no fundo da casa e quando os empregados deram um vacilo, ele entrou e ficou fascinado pelo ambiente. Alguns se incomodaram rapidamente ao perceber a figura que entrara, mas fizeram o papel da boa e falsa conduta social educada e fingiram não percebê-lo. Golyadkin, meio atrapalhado, pisou no vestido de uma, empurrou outro e enfeitiçado pela beleza de Clara vai até ela. Quando se inclina para lhe saudar, pegar-lhe a mão e a convida para dançar, acaba se atrapalhando e assusta a jovem:

"Clara Olsúfievna soltou um grito; todos se lançaram a fim de soltar sua mão da mão do senhor Golyádkin, e num instante a multidão afastou à força nosso herói a quase dez metros de distância" (p. 60)

Depois de ser expulso da festa, Golyádkin volta para casa desconsolado. O fato é que aquele fato desencadeou em nosso herói um acontecimento ímpar no interior ou exterior que acabou levando o herói rumo a hybris social. O senhor Golyádkin viu uma figura parecida consigo em vários momentos na volta para casa. Quando chegou em sua rua, lá estava a figura. Quando chegou na porta de seu apartamento, lá estava a figura e quando pegou a vê-la e adentrou ao seu quarto:

"[...] O desconhecido estava sentado à sua frente, também de capote e chapéu, em sua própria cama, com um leve sorriso nos lábios e, apertando um pouco os olhos, fazia- lhe um amistoso aceno de cabeça. O senhor Golyádkin quis gritar, mas não pôde, quis protestar de algum modo, mas não teve forças. Ficou de cabelos arrepiados e sentou-se, desfalecido de pavor. Aliás, havia razão para isso. O senhor Golyádkin reconhecia por completo seu amigo noturno. O amigo noturno não era senão ele mesmo - o próprio senhor Golyádkin, outro senhor Golyádkin, mas absolutamente igual a ele - era, em suma, aquilo que se chama de o seu duplo, em todos os sentidos..." (p. 74).



O que pensar com a existência do duplo: será uma criação da personagem principal? Será um parente próximo e muito parecido do senhor Golyádkin, ou será que do próprio interior do inconsciente de Golyádkin saiu seu duplo para fazer companhia ao pobre e desprezado homem. A todo momento, o leitor ficará confuso sobre o Golyádkin segundo que de início se torna amigo do primeiro Golyádkin, mas logo em seguida procura o trabalho e assumir a vida do primeiro. Tudo que o senhor Golyádkin primeiro não conseguia fazer, o seu duplo, seu gêmeo ou seu parente próximo fazia com maestria, inclusive agir com vilania. Se tornou popular, adquiriu amigos, era convidado para conversas com os colegas, enquanto o nosso herói se afundava em tristezas e infâmias de um que queria seu emprego e de outros que se incomodavam com a simples existência dele. 

A história é angustiante em vários momentos, pois como leitora me senti uma Golyádkin e isto, segundo o comentário de Paulo Bezerra é bom, porque o próprio Fiódor Dostoiévski tinha uma simpatia por pessoas que não fugiam de suas intrigas interiores, mas ao contrário, buscavam fugir das convenções sociais para entender a si mesmo e ao mundo. O próprio escritor tinha epilepsia e era de certa forma meio Golyádkin também. Não é à toa que Sigmund Freud se interessou tanto pelas obras de F. Dostoiévski, pois neste livro podemos ver expresso a teoria do Id, Ego e Superego do pai da psicanálise e do consciente e inconsciente. 

De forma superficial, podemos dizer que S. Freud dividia o interior da mente humana em consciente e inconsciente. No inconsciente se encontra nossos desejos e instintos mais sombrios e mais essenciais para existência como: pulsão de vida e morte, libido que é o desejo que nos impele a luta e conquista.Todavia o consciente nos faz frear nossos desejos, para que não aconteça uma hybris inconsciente que provoque um caos entre os indivíduos na sociedade. Neste jogo, estão em destaque as palavras: Id que se encontra do turbilhão do inconsciente que expressa bem estas pulsões tão perturbadores do inconsciente. O Ego que é mais voltado para o consciente e busca conseguir sempre equilibrar as vontades do Id em relação ao Superego. Por último, o Superego são as "castrações sociais" que nos fazem agir de forma "normal"para não haver um caos existencial coletivo que levaria a uma animalidade: dramático isto?

Observando o senhor Golyádkin, percebemos um homem impelido pelo seu Id a realizar seus desejos, começando por se dar ao direito de dançar com a bela Clara e fazer parte de seu "clube social", mas ele em si só é incapaz por não ser rico, bem afeiçoado as boas palavras e ter uma aparência agradável. Isto é provado até pelo significado de seu nome, pois de acordo com uma nota de rodapé: "O sobrenome Golyádkin deriva de golyadá, golyadka, que significa pobre, indigente,  mendigo, miserável" (p. 53).

Após a rejeição social pela sua condição de pobreza, aparece um outro Golyádkin que é totalmente diferente do primeiro e deveras sede ao Id deixando o Golyádkin primeiro como responsável por suas ações, pois as pessoas não distinguem um do outro, ou se um se fundiu no outro e ambos se rebelaram contra o Superego da sociedade hipócrita que não valorizava os valores que Golyádkin primeiro tando valorizava, mas não valiam nada sem que o mesmo possuísse dinheiro. 

O duplo do Golyádkin, nosso herói, pode ser uma resposta vingativa à sociedade da época e pode ser tomado agora. O Ego do senhor Golyádkin fora destroçado pela sociedade, pela sua própria condição social a priori e por si mesmo no fim das contas. O fim da história acontece com o estopim que fez surgir o duplo. Algo de terrível acontece com nosso herói, mas deixo para vocês descobrirem ao ler este livro magnífico. Só quis pincelar em tintas negras e, em alguns momentos, usei tinta de luz em meio a escuridão para pintar o quadro da vida não valorizada do herói Golyádkin em meio a sociedade que vivia. Brindemos com água de esgoto aos Golyádkins da vida, porque a sociedade bem aventurada jamais compartilhará seus deliciosos vinhos e champanhes. 

Depois de um acontecimento, eis que só fica com nosso herói o seu duplo. Como um escorpião encurralado pelo fogo fomentado pela sociedade traiçoeira, o nosso herói perde o controle e acaba trazendo seu duplo como um ferrão venenoso para sua libertação:

"Quem mais tempo continuou atrás foi o vil gêmeo do senhor Golyádkin. Com as mãos enfiadas no bolsos laterais das calças verdes de seu uniforme, ele corria com ar satisfeito, saltitando ora de um lado, ora do outro da carruagem; vez por outra agarrava-se à moldura da janela e pendurando-se nela, enfiava a cabeça e mandava umas beijocas de despedida para o senhor Golyádkin; mas até ele começou a cansar, sua imagem foi rareando mais e mais e por fim desapareceu de todo (p. 232).






Opções de capas da editora 34 do livro "O Duplo" de Fiódor Dostoiévski




DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O Duplo.Tradução de Paulo Bezerra; desenhos de Alfred Kubin de Samuel Tian Jr. São Paulo: Editora 34, 2013. (2º edição). 256 p. (Coleção Leste).


segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

RESENHA DO LIVRO "RESSURREIÇÃO", DE MACHADO DE ASSIS

Félix: o Otelo brasileiro


O livro "Ressurreição" é o primeiro romance publicado de Machado de Assis. Ele é narrado em terceira pessoa, em que o narrador é, de certa forma, onisciente, porque apreende e expõe ao leitor o que se passa na cabeça das personagens. O narrador deste romance já aponta para o grande estilo de narrar que podemos observar em romances como "Dom Casmurro" e outros grandes romances de Machado.

As personagens principais são: Félix, um ex-médico que recebera uma herança e desde então vive os prazeres da vida burguesa. Logo em seguida, no romance, aparece a personagem Viana que anunciará a chegada da segunda personagem principal: a viúva Lívia. O encontro de Lívia e Félix acontece na casa do Coronel e D. Matilde que tem uma filha chamada Rachel que era uma jovem apaixonada por Félix. Félix também tem um grande amigo Meneses que tem por característica o romantismo e, também, há o antagonista L. Batista que mesmo casado, flerta com Lívia, mas é desprezado pela mesma.

No início, Félix se mostra inflexível ao amor, tanto que seu amigo Meneses chega meio que desesperado, com medo de estar sendo traído pela sua amante, então entra em um diálogo com Félix e, por meio deste diálogo, podemos conhecer um pouco do Félix. Segue a citação:

Dou-te enfim um conselho, disse Félix.
Meneses levantou os olhos com ansiedade.
- Qualquer que seja a resolução que tomares, continuou Félix, não recues um passo.
- Onde acharei esta resolução?
- Aqui, disse Félix pondo-lhe o dedo na testa.
-Oh! Não! suspirou Meneses; a cabeça nada tem com isto, todo mal está no coração.
- Recorre á cirurgia: corta o mal pela raiz.
- Como?
- Suprime o coração. (MACHADO, 2008, p. 40).

Esta percepção do amor na mente de Félix muda drasticamente depois do baile de valsa na casa do Coronel, onde ele percebe o flerte do Batista, mas mesmo assim resolve se aproximar de Lívia e ambos recordam de encontros anteriores. Lívia tinha intenção de viajar, pois gostava muito de passear pela Europa, mas ao ouvir Félix dizer que a amava, ela desiste da viagem.

O romance tinha tudo para ser perfeito. Os dois vivem dias românticos em suas chácaras, mas percebendo o namoro entre os casais, L. Batista resolve se vingar por ter sido rejeitado, então percebe um grande defeito em Félix: "o veneno do ciúme". Então o Batista simula olhares, põe dúvidas sobre a honestidade e integridade da viúva Lívia e, por isto, o romance começa a ficar meio atribulado, com idas e voltas. Félix, às vezes, percebe sua loucura em ver monstro no que na verdade são moinhos de vento. Depois de muitas aflições e dúvidas, a jovem Rachel escreve uma carta sobre a honestidade da Lívia e, após isto, Félix resolve casar. Todavia, antes que o casamento aconteça, Batista faz uma manobra para acabar com o romance. Ele envia anonimamente uma carta para Félix que dizia:

"Mísero moço! És amado como era o outro; serás humilhado como ele. No fim de alguns meses terás um Cirineu para te ajudar a carregar a cruz, como teve o outro, por cuja razão se foi desta para a melhor. Se ainda é tempo, recua!" (MACHADO, 2008, p. 122).

Depois desta carta, o fraco do Félix termina de forma abrupta e sem explicação a cerimônia de casamento. Lívia fica muito doente. Este fato só fica esclarecido devido a intervenção de Meneses que mesmo amando Lívia, queria ser justo e também Raquel pediu ao mesmo que buscasse a verdade para ajudar a pobre viúva. Para saber se o casal reata, será necessário ler o livro, mas posso dizer que Raquel e Meneses mostraram ter um caráter similar em justiça, casaram-se e foram muito felizes. 

"O amor é fogo que arde sem se ver", como bem disse Camões... e quando ele não é cultivado em um coração de boa índole, será a tesoura de jardineiro que cortará a rosa. Pois, o que a pessoa é capaz de fazer aos outros, irá projetar no outro que ama. O amor, de centelha anímica, virará uma saraiva que consumirá a ambos e feliz o que percebe logo e foge dos amores mortais passionais. 


Cena de uma peça de W. Shakespeare, chamada "Otelo de Veneza", em que enganado por Iago, a personagem principal mata injustamente sua amada Desdemona. 


sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

RESENHA: "GENTE POBRE", DE FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

GENTE POBRE! GENTE POBRE EM RELAÇÃO A QUÊ?


O livro "Gente Pobre", de Fiódor Dostoiévski, foi escrito no ano de 1846 (ou 1845) quando o escritor tinha 25 (ou 24) anos de idade. Logo que o livro caiu nas mãos de Vissarion Belínski, um dos mais importantes críticos literários da Rússia, este vaticinou que um gigante da literatura Russa estava nascendo. Infelizmente o mesmo morreu em 1848 e não pode vivenciar o que previra ao ler "Gente Pobre".

A estrutura do romance é epistolar, ou seja, formado por diversas cartas trocadas entre um funcionário público chamado Makar Diévuchkin e uma costureira órfã chamada Varvara Alieksiêievna. O espaço em que o romance se passa é em um bairro pobre de São Petersburgo, onde ambos moram em pensões vizinhas.

Makar Diévuchkin é funcionário de uma repartição pública onde assume a simples função de copista. Ele é descrito como um homem de meia idade, pobre, maltrapilho, profundamente frustado com sua vida sem sucesso profissional, todavia é um homem profundamente caridoso com uma jovem órfã de pai e mãe. Esta é Varvara Alieksiêievna que teve sua vida totalmente mudada com morte precoce do pai e logo em seguida, devido a vida sofrida, a morte da mãe. Quando os pais morreram, ela foi parar na casa de Anna Fiódora, uma pensionista que sempre se aproveitava da jovem.

Muitas são as cenas impactantes descritas nas cartas sobre vidas paralelas de personagens que são descritas pelas duas personagens principais neste romance, tanto que: "O poeta Russo Nokolai Niekrássov (1821-1878) e o escritor Dmítri Grigoróvitch (1822-18990), ao terminar sua leitura, em lágrimas, saíram anunciando que havia surgido um novo Gógol e predizendo um grande futuro ao então jovem escritor" (BIANCHI apud DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 174).

Logo nas primeiras cartas, Makar Diévuchkin descreve a sua penúria social e se sente um ser sem direito até de sonhar, mas ao pensar em sua "pombinha" Varvara Alieksiêievna que ele apelida de Várienka, muda de visão, dando-se o direito de sonhar. Podemos vislumbrar esta parte por meio de uma das citações mais lindas do livro. Apesar de Makar se achar incapaz de escrever com elegância e poesia, ele consegue expressar tamanha magnitude de beleza e leveza ao mundo sofrido em que vive:

"[...] Hoje até me entreguei a sonhos bem agradáveis e meus sonhos foram o tempo todo com você, Várienka. Comparei-a com um pássaro do céu, criado para alegria dos homens e adorno da natureza. E então pensei que pessoas como nós, Várienka, que vivem sempre em meio a tribulações e sobressaltos, também deveriam invejar a felicidade despreocupada e inocente das aves do céu" (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 13).

Ambas as personagens de sentem inferiores na vida não só por estarem a margem da sociedade, mas há uma carga psicológica que os castiga sem motivos. Makar se sente inferior e responsável por suas aflições financeiras e tem um ego totalmente auto-destrutivo, tanto que em determinado momento acaba bebendo e caindo em desgraça, perdendo o seu respeito que tantos admiravam de homem pobre, porém temperante, tudo devido a pequenas calúnias maldosas de sua suposta intenção de ter uma mulher mais jovem sem ter condições financeiras e aparência para tal conquista. Todavia, Várienka intervém e o intima e se erguer e ter sua autoestima de volta. 

Varvara Alieksiêievna, apelidada por Vàrienka por Makar, em todo momento tentava justificar o fato de ter perdido a sua honra por uma manobra de injustiça arquitetada pela dona da pensão Anna Fiódora que se sentia dona de Várienka desde a morte de seus pais. E ela se culpava por não ter aprendido as lições que seu pai tinha se esforçado para que ela pudesse adquirir enquanto ele estava vivo, porém, assim como ela fazia com Makar, o mesmo a fazia se sentir forte e bela diante do mundo, independente das desventuras que acometeram sua vida. O cuidado de Makar em relação a Várienka é extraordinário e se ver que não se trata de atração sexual, porque mesmo com os diversos convites, Makar sempre se recusa a ir à casa de sua protegida com medo que seja mal interpretado.

Há diversas passagens que expressam a riqueza interior de Makar em outras partes do livro, a exemplo de quando um homem que tem por sobrenome Gorchkov vai até o seu quarto de pensão, pois eles, juntamente com outras personagens vivem praticamente amontoados neste lugar. O mesmo tem um problema na justiça e possui mulher filhos. Em um dia de desespero, Gorchkov chega até o quarto de Makar e pede uma contia de copete, ou seja, dinheiro para poder comprar comida para sua família e chama atenção para seu filho doente. Makar, olha para a figura do homem, tem um momento de crise interior, porque aquela contia pedida era a que possuía para comer no dia seguinte, porém Makar vai até a gaveta e empresta o dinheiro ao vizinho. Este o agradece do forma fervorosa. 

Depois de um tempo, Makar descreve em uma carta um fato triste, mas no início não se entende o porquê desta tristeza. Nesta carta, Gorchkov obtém a justiça que era esperada fazia muitos anos e que por muitos era desacreditada. O caso consistia no fato de que Gorchkov era um funcionário público que fora enganado e culpado por algo que não cometera, mas a verdade foi descoberta, ele ganhou a causa, pagou suas dívidas e ficou extremamente feliz por limpar sua honra. Descreve Makar para Vaárienka:

"Hoje teve um lugar em nossa apartamento um acontecimento triste, absolutamente inexplicável e inesperado. Nosso pobre Gorchkov (é preciso mencionar-lhe isto, minha filha) foi completamente absolvido. O caso acabou portanto de maneira não muito agradável a ele (...). Estava tão emocionado, coitado. Não conseguia permanecer dois minutos no mesmo lugar; pegava tudo o que lhe caía às mãos e depois tornava a largar; não parava de sorrir e de nos cumprimentar, sentava, levantava, tornava a sentar, falava sabe Deus o quê - dizia: 'A honra, a minha honra, o meu bom nome, meus filhos' - e falava de um jeito! começou a chorar. A maioria de nós também derramou umas lágrimas. Rataziáiev, pelo jeito, queria animá-lo, e disse: 'O que é a honra, meu amigo, quando não se tem o que comer; o dinheiro é mais importante, é por isso que deve agradecer a Deus!' - e ao dizê-lo deu-lhe uma palmadinha no ombro. Pareceu-me que Gorchkov se ofendeu, isto é, não que tenha manifestado descontentamento, mas lançou um olhar meio estranho para Rataziáiev e retirou a mão dele de seu ombro (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 154-155)

Infelizmente sua honra foi lavada, mas o dinheiro chegou tarde para salvar a vida de seu filho. Esta questão entre o que é mais importante: se é o dinheiro ou a honra causou um certo desencontro entre Gorchkov  e o poeta Rataziáiev morador da pensão em determinado momento, quando todos comemoram a justiça feita. Todavida, Gorchkov  volta para seu quarto com muitos convidados para comer, mas quando as pessoas saem e sua mulher vai até seu filho, acaba descobrindo que o mesmo morrera. Gorchkov  fica desconsolado e vai deitar para tentar se confortar, mas quando a mulher o busca um tempo depois, o honrado e desaventurado Gorchkov também morrera. 

Nesta resenha, foram descritas algumas passagens que chamaram atenção para a grandiosidade da percepção de Fiódor Dostoiévski enquanto escritor na figura da personagem Makar. É extraordinário ver o título da obra entrar em plena antítese com o conteúdo da obra. A Gente Pobre descrita no romance são pobres financeiramente falando, mas são imensamente ricas em humanidade e compaixão. Sendo a solidariedade uma das características que faz o coração se apertar e se emocionar, pois se não houvesse tanta dificuldade, não se perceberia tanta grandiosidade em uma alma humana desenhada por meio de orações e emoções que este livro nos transmite. Fica a dica para nós do que realmente é a verdadeira pobreza e em que consiste a riqueza. Ler "Gente Pobre" é perceber que o homem pode ser bom independente da situação, porque ser solidário e honrado é questão de escolha. O fim de Várienka e Makar não irei contar, porque quero que mergulhem na leitura deste livro para sentir estes fatos narrados de forma sucinta, mas possam sentir algo ainda mais forte que me fez chorar profundamente como a vida de um certo professor amigo de Várienka. 

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Gente Pobre. Tradução, posfácio e notas de Fátima Bianchi. São Paulo: Editora 34, 2009.


sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

SONETO "OH! GUIA DO SENHOR! QUE SENHOR?"


OH! GUIA DO SENHOR! QUE SENHOR?


Perdoa-lhe, pois não sabe o que faz.
Dizendo guia do Senhor pede dinheiro,
Não importando as dores do companheiro,
Para indicar o caminho do bem é incapaz.


Verdadeiro servo não é indiferente.
Segue seu caminho querendo ser abrigo,
Guerreando em oração até por mendigo,
De Deus é mensageiro a toda gente.


Falando sobre Jesus, palavras são harmonias
Que despedaçam correntes com maestria,
Libertando o mais oprimido dos corações.


Porém, o ímpio perdido diz ignomínias,
Enganando, pregando o dinheiro, gera apatia
Afastando muitos de Deus = guia de perdições!


Por Yolanda Silva 
Escrito no dia 16 de agosto de 2015



Observação: Este soneto pode está com algumas sílabas não tão corretas, mas priorizei o conteúdo. Quem sabe com o trabalho constante, melhorarei meu antigo hábito de escrever poemas. Todavia, gostaria de dedicar esta tentativa de soneto ao meu marido Robson Barbosa da Silva, porque este foi o homem escolhido por Deus para me orientar como companheira, amiga e serva do Senhor Jesus. Não é fácil seguir a verdadeira e sublime palavra de Cristo. Nunca foi e nunca será, por isto sabemos que a porta é estreita, mas vamos perseverá, porque não há lugar melhor no mundo do que permanecer e viver ao lado de Jesus. E nesta caminhada de vida em meio a um universo que sempre tende para decadência, Deus nos dá bálsamos para nos alegrar. E que nossa alegria seja sempre o Senhor Jesus e seus princípios que produzem VIDA!