sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

RESENHA: "GENTE POBRE", DE FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

GENTE POBRE! GENTE POBRE EM RELAÇÃO A QUÊ?


O livro "Gente Pobre", de Fiódor Dostoiévski, foi escrito no ano de 1846 (ou 1845) quando o escritor tinha 25 (ou 24) anos de idade. Logo que o livro caiu nas mãos de Vissarion Belínski, um dos mais importantes críticos literários da Rússia, este vaticinou que um gigante da literatura Russa estava nascendo. Infelizmente o mesmo morreu em 1848 e não pode vivenciar o que previra ao ler "Gente Pobre".

A estrutura do romance é epistolar, ou seja, formado por diversas cartas trocadas entre um funcionário público chamado Makar Diévuchkin e uma costureira órfã chamada Varvara Alieksiêievna. O espaço em que o romance se passa é em um bairro pobre de São Petersburgo, onde ambos moram em pensões vizinhas.

Makar Diévuchkin é funcionário de uma repartição pública onde assume a simples função de copista. Ele é descrito como um homem de meia idade, pobre, maltrapilho, profundamente frustado com sua vida sem sucesso profissional, todavia é um homem profundamente caridoso com uma jovem órfã de pai e mãe. Esta é Varvara Alieksiêievna que teve sua vida totalmente mudada com morte precoce do pai e logo em seguida, devido a vida sofrida, a morte da mãe. Quando os pais morreram, ela foi parar na casa de Anna Fiódora, uma pensionista que sempre se aproveitava da jovem.

Muitas são as cenas impactantes descritas nas cartas sobre vidas paralelas de personagens que são descritas pelas duas personagens principais neste romance, tanto que: "O poeta Russo Nokolai Niekrássov (1821-1878) e o escritor Dmítri Grigoróvitch (1822-18990), ao terminar sua leitura, em lágrimas, saíram anunciando que havia surgido um novo Gógol e predizendo um grande futuro ao então jovem escritor" (BIANCHI apud DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 174).

Logo nas primeiras cartas, Makar Diévuchkin descreve a sua penúria social e se sente um ser sem direito até de sonhar, mas ao pensar em sua "pombinha" Varvara Alieksiêievna que ele apelida de Várienka, muda de visão, dando-se o direito de sonhar. Podemos vislumbrar esta parte por meio de uma das citações mais lindas do livro. Apesar de Makar se achar incapaz de escrever com elegância e poesia, ele consegue expressar tamanha magnitude de beleza e leveza ao mundo sofrido em que vive:

"[...] Hoje até me entreguei a sonhos bem agradáveis e meus sonhos foram o tempo todo com você, Várienka. Comparei-a com um pássaro do céu, criado para alegria dos homens e adorno da natureza. E então pensei que pessoas como nós, Várienka, que vivem sempre em meio a tribulações e sobressaltos, também deveriam invejar a felicidade despreocupada e inocente das aves do céu" (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 13).

Ambas as personagens de sentem inferiores na vida não só por estarem a margem da sociedade, mas há uma carga psicológica que os castiga sem motivos. Makar se sente inferior e responsável por suas aflições financeiras e tem um ego totalmente auto-destrutivo, tanto que em determinado momento acaba bebendo e caindo em desgraça, perdendo o seu respeito que tantos admiravam de homem pobre, porém temperante, tudo devido a pequenas calúnias maldosas de sua suposta intenção de ter uma mulher mais jovem sem ter condições financeiras e aparência para tal conquista. Todavia, Várienka intervém e o intima e se erguer e ter sua autoestima de volta. 

Varvara Alieksiêievna, apelidada por Vàrienka por Makar, em todo momento tentava justificar o fato de ter perdido a sua honra por uma manobra de injustiça arquitetada pela dona da pensão Anna Fiódora que se sentia dona de Várienka desde a morte de seus pais. E ela se culpava por não ter aprendido as lições que seu pai tinha se esforçado para que ela pudesse adquirir enquanto ele estava vivo, porém, assim como ela fazia com Makar, o mesmo a fazia se sentir forte e bela diante do mundo, independente das desventuras que acometeram sua vida. O cuidado de Makar em relação a Várienka é extraordinário e se ver que não se trata de atração sexual, porque mesmo com os diversos convites, Makar sempre se recusa a ir à casa de sua protegida com medo que seja mal interpretado.

Há diversas passagens que expressam a riqueza interior de Makar em outras partes do livro, a exemplo de quando um homem que tem por sobrenome Gorchkov vai até o seu quarto de pensão, pois eles, juntamente com outras personagens vivem praticamente amontoados neste lugar. O mesmo tem um problema na justiça e possui mulher filhos. Em um dia de desespero, Gorchkov chega até o quarto de Makar e pede uma contia de copete, ou seja, dinheiro para poder comprar comida para sua família e chama atenção para seu filho doente. Makar, olha para a figura do homem, tem um momento de crise interior, porque aquela contia pedida era a que possuía para comer no dia seguinte, porém Makar vai até a gaveta e empresta o dinheiro ao vizinho. Este o agradece do forma fervorosa. 

Depois de um tempo, Makar descreve em uma carta um fato triste, mas no início não se entende o porquê desta tristeza. Nesta carta, Gorchkov obtém a justiça que era esperada fazia muitos anos e que por muitos era desacreditada. O caso consistia no fato de que Gorchkov era um funcionário público que fora enganado e culpado por algo que não cometera, mas a verdade foi descoberta, ele ganhou a causa, pagou suas dívidas e ficou extremamente feliz por limpar sua honra. Descreve Makar para Vaárienka:

"Hoje teve um lugar em nossa apartamento um acontecimento triste, absolutamente inexplicável e inesperado. Nosso pobre Gorchkov (é preciso mencionar-lhe isto, minha filha) foi completamente absolvido. O caso acabou portanto de maneira não muito agradável a ele (...). Estava tão emocionado, coitado. Não conseguia permanecer dois minutos no mesmo lugar; pegava tudo o que lhe caía às mãos e depois tornava a largar; não parava de sorrir e de nos cumprimentar, sentava, levantava, tornava a sentar, falava sabe Deus o quê - dizia: 'A honra, a minha honra, o meu bom nome, meus filhos' - e falava de um jeito! começou a chorar. A maioria de nós também derramou umas lágrimas. Rataziáiev, pelo jeito, queria animá-lo, e disse: 'O que é a honra, meu amigo, quando não se tem o que comer; o dinheiro é mais importante, é por isso que deve agradecer a Deus!' - e ao dizê-lo deu-lhe uma palmadinha no ombro. Pareceu-me que Gorchkov se ofendeu, isto é, não que tenha manifestado descontentamento, mas lançou um olhar meio estranho para Rataziáiev e retirou a mão dele de seu ombro (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 154-155)

Infelizmente sua honra foi lavada, mas o dinheiro chegou tarde para salvar a vida de seu filho. Esta questão entre o que é mais importante: se é o dinheiro ou a honra causou um certo desencontro entre Gorchkov  e o poeta Rataziáiev morador da pensão em determinado momento, quando todos comemoram a justiça feita. Todavida, Gorchkov  volta para seu quarto com muitos convidados para comer, mas quando as pessoas saem e sua mulher vai até seu filho, acaba descobrindo que o mesmo morrera. Gorchkov  fica desconsolado e vai deitar para tentar se confortar, mas quando a mulher o busca um tempo depois, o honrado e desaventurado Gorchkov também morrera. 

Nesta resenha, foram descritas algumas passagens que chamaram atenção para a grandiosidade da percepção de Fiódor Dostoiévski enquanto escritor na figura da personagem Makar. É extraordinário ver o título da obra entrar em plena antítese com o conteúdo da obra. A Gente Pobre descrita no romance são pobres financeiramente falando, mas são imensamente ricas em humanidade e compaixão. Sendo a solidariedade uma das características que faz o coração se apertar e se emocionar, pois se não houvesse tanta dificuldade, não se perceberia tanta grandiosidade em uma alma humana desenhada por meio de orações e emoções que este livro nos transmite. Fica a dica para nós do que realmente é a verdadeira pobreza e em que consiste a riqueza. Ler "Gente Pobre" é perceber que o homem pode ser bom independente da situação, porque ser solidário e honrado é questão de escolha. O fim de Várienka e Makar não irei contar, porque quero que mergulhem na leitura deste livro para sentir estes fatos narrados de forma sucinta, mas possam sentir algo ainda mais forte que me fez chorar profundamente como a vida de um certo professor amigo de Várienka. 

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Gente Pobre. Tradução, posfácio e notas de Fátima Bianchi. São Paulo: Editora 34, 2009.


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