sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O OLHAR POR TRÁS DA CATARATA


O OLHAR POR TRÁS DA CATARATA



Tudo está vermelho e verde. Dá até vontade de colocar o pinheiro e as bolinhas douradas na sala, acreditando no espírito natalino. Na verdade, acredito mais ainda no amor emanado pelo menino Jesus.
Sentia-me bem e fazendo parte de algo.
“Ah, vieram me visitar, importaram-se comigo. Acredito, quem sabe, serei convidada para um jantar, farei um prato e poderei contar com um ambiente para meu filhos”.
A mente ingênua devaneia. Eu até esqueci que na última carona, ela ouviu:
- Você já ouviu os nomes de bandas de forró "boca de latrinaaaa"? "Pingo de genteeeee"? "Pelo de sufaco de cobraaaa"?
-Quase retruquei “este daria certinho para a pessoa do seu lado”.
Diante disto, dar carona regada à piadas de mal gosto, ficou a dúvida: será que tudo isto é indireta por algo que disse ou é para evitar que peça carona numa segunda vez? Precisa de tudo isto? Quando alguém pede o outro dá se quiser. Evita-se a fadiga...
Continuei acreditando no espírito natalino. Bacana o dindon dindon... Vamos lá... Ou alegria, o espírito natalino é tão belo. A gente começa a se sentir parte das famílias grandes e lindas da comunidade. Nossa, que alegria!!!
Agora, vamos analisar. Eu sou chata pra caramba. Só gosto de visita no fim de semana para não me atrapalhar nos estudos, como posso desejar que as pessoas que nunca gostaram de mim em uma dezena de anos, possam me aceitar do dia pra noite. Aceitar uma pessoa que não se gosta na família é bem mais complicado que receber uma visita em alguns segundo que vem ver se sua casa é melhor que a dela...
Segue o bonde... última chamada para ser besta.
Lá vamos nós... Tudo tão lindo. Em meio a tanta indiferença, há uma verdade. Há uma carona que não veio regada com piadinhas com minha altura... Como se eu desse a mínima para isto. Meu grilo é com a banha...
Logo na primeira apresentação, olha que legal. Até que consegui ficar calada e fingir que sou besta. Cara séria, sentar em uma cadeira levemente longe de modo até que algumas pessoas vieram sentar perto. Muito legal a postura de pessoa besta. Chama atenção de todos, só não entendo o porquê. Tudo foi tão perfeito que até me senti parte do negócio todo. Então, fui... Fui saindo com o velho ford k de guerra. Então, a moça mulher perfeita que viver perfeitamente riu do meu carro caindo aos pedaços. Ela riu, eu refleti. Não entendi. O carro não anda? E se eu estudo, do dia para a noite não posso passar em um concurso incrível e comprar um carro dez mil vezes superior. Eu juro que senti pena daquela falta de visão. Também pensei que por não ter falado com a mesma, pois quando ia falar, a mesma voltou-se para o celular. VOU DIZER UMA COISA, PENSE NO COMPANHEIRO PARA AJUDAR A DESPREZAR OS OUTROS... KK... Então, voltando a moça que riu do meu ford velho. Ela poderia ter rido por achar que estava com vergonha de andar em uma abóbora ambulante. Neste caso, a reflexão que fiz sobre ela, serviria para mim e aí “todos tem suas próprias razões”.
Eita, entre idas e vindas. Uma coisa ou outra fora e lá vem o olhar inquisidor. Ninguém observa a própria coisa fora. E se cada um observasse sua coisa fora. Seria tanta coisa que não daria tempo nem de defecar.
Seguindo o bonde... última chamada para ser besta.
O bom de tudo foram os momentos em que mal se podia perguntar ou conversar. Vinham as ienas protegerem suas carnes podres. Nossa, havia momentos que quase disse:
- Querida, se quisesse, teria lutado antes da carne de sofrido tanto com vossa figura erínica perto.
Deixa para lá... A vida é curta e respostas nem sempre são necessárias. Vamos olhar o todo.
Então, no dia em que houve o estopim, graças, já havia acabado todo o movimento.
Chega eu... O ambiente está lindo, mas você é a mosca da sopa. Tudo fica triste, tenso e você fica na dúvida se a neurose parou em você ou você realmente perdeu a catarata.
Em um momento, tento falar com a moça do homem que falou a piada da latrina, creio eu, para não dar carona. E ela faz a velha tática de guerra de fingir que estar falando ao celular para não falar comigo. Ahhh, como seria bom a vida se ela visse como não dou a mínima se ela deseja falar comigo ou não. Ela acha que sou a atribulada de festa que questiona o fato dela ser controladora e deseja mandar na vida de todos. É muita estrela para pouco céu. Eu já sabia que isto aconteceria. Mas quando se tem muita estrela e tem uma lua besta, então todos focam energia na lua afirmando que desejam matar o dragão.
Como não lembrar. Até porque é só olhar nas fotos e vê as ienas rindo por trás... O olhar da lente não mentiu. Ou estou vendo coisa? Será que estou louca? A lente caiu? A catara limpou ou eu plantei imagens, orações e sons na mente...
No fim, ficou a verdadeira sensação de que no futuro a frase que se seguirá é:
“Filho daquela pessoa não é bom para você”... E o que questiono é: “vale a pena continuar neste ciclo?”



sábado, 2 de junho de 2018

UM MILAGRE QUE CONTRARIOU OS MÉDICOS: A GRAVIDEZ DA SARA MODERNA



Milagres são coisas estranhas à pessoas que estão distantes da igreja, mas para nós, Cristãos, é algo maravilhoso e tremendo.

Certo dia, estava em um comércio e encontrei uma jovem mulher que admiro muito. Vou dá o nome ficcional de Sara, porque não quero expor a mesma. Conversamos por poucos minutos e contei-lhe que desejava emagrecer para engravidar. Ela me falou que perdeu peso com reeducação alimentar. Fiquei muito feliz por vê-la magra e linda, vendo-a que venceu algo que estou lutando muito: o sobrepeso. Depois de uns dias, estava eu na casa de uma amiga e logo que entrei na casa, todos estavam com ar de espanto e oração. Então, uma destas mulheres me explicou.

-- Você lembrar de Sara? -- Continuou a contar a amaga. -- Ela estava no culto e, de repente, a mulher que estava pregando chegou até Sara e disse que ela não fosse buscar o médico, porque o milagre dela quem iria fazer era Deus. Que o médico não iria tocar no ventre dela, que o milagre seria de Deus e que ainda este ano [2019], ela iria amamentar. 

Contextualizando, esta jovem mulher é casada há alguns anos, todavia, não tinha filho. Muitas pessoas viam aquele casal tão perfeito e se perguntavam: porque não têm filhos?

O que as pessoas não sabiam é que esta jovem tinha uma anomalia nas trompas e faltava-lhe um hormônio para segurar a criança, no caso de uma gravidez.

A jovem mulher Sara estava se preparando para fazer uma cirurgia, no intuito de reparar esta anomalia nas tropas e assim ter filho. Todavia, faltando alguns dias para ela fazer a cirurgia, eis que uma mulher, usada por Deus, em dom de profecia, falou-lhe para não fazer nenhuma intervenção cirúrgica, porque o milagre que desejava, seria realizado pelo próprio Deus. Deus falou que o homem - médico - não iria fazer intervenção cirúrgica e que Deus iria impedir que o médico a tocasse.

Alguns dias depois, a jovem foi fazer a cirurgia e aconteceu algo inesperado. Ela teve um choque anafilático. Teve parada cardíaca e respiratória de tal maneira que para respirar, foi necessário fazer uma traqueostomia. De acordo com o médico, depois no choque e das contingências de uma alergia a anestesia, a jovem iria ficar num estado vegetativo. Imagine o desespero da mãe, do esposo que apoiara à esposa no intuito de ter um filho e, de repente, estaria prestes a perder todo sonho. 

Contrariando todas as expectativas, a jovem não ficou em um estado vegetativo. Em um segundo momento, os médicos disseram que a jovem nunca mais falaria como antes, mas em poucos dias, ela estava falando. A terceira fatalidade que os médicos não precisariam dizer é que as chances daquela jovem engravidar seriam totalmente inviáveis, porque a intervenção médica foi impedida. 

Qual foi a minha surpresa ao abrir o facebook e ler a mensagem da mãe de Sara dizendo que a mesma estava GRÁVIDA. 

Uma jovem que passou muitos anos sonhando em ser mãe, lutou para se preparar para uma cirurgia, em seguida, tem o processo cirúrgico impedido por uma alergia a anestesia geral que causou um choque anafilático é totalmente inacreditável.

Segundo minhas pesquisas na internet, isto é raro: "O choque anafilático durante anestesias é raro. A incidência varia de acordo com o país: na França é de 1 caso para cada 13.000 anestesias aplicadas."

O fato de isto acontecer, de ser previamente afirmada por uma mulher em dom de profecia e, por fim, contrariando a medicina, a jovem engravidou sem que o homem tocasse em seu corpo, foi algo maravilhoso. Todos nós soubemos que Deus fez um grande milagre. 

Muitos podem dizer: que Deus ruim? Não abriu a madre de uma mulher e ainda a fez passar por isto? Ou, não seria melhor Deus tê-la engravidado sem passar por todo este processo?

Tantas perguntas as pessoas podem fazer para desprezar o divino... Nós Cristãos sabemos o que Deus é capaz de fazer... Deus é maravilhoso! Não podemos saber seus desígnios, apenas podemos contemplar o que Ele faz todo os dias na vida de tantos irmãos, sem os holofotes da TV, onde supostamente estes falsos mestres falam e cobram para efetuar milagres. Deus é Deus. Sempre foi e será Eternamente.

Sempre que lembro do testemunho de minha irmã, meu coração se emociona e eu vejo a quem eu sirvo. Eu sirvo ao Deus vivo que faz milagres vivos e, por isto, nada nem ninguém pode me dizer que ELE NÃO EXISTE. 

Parabéns, Sara! Você foi escolhida para um milagre grandioso e quem quiser conhecer este milagre, frequente uma das igrejas Assembleias de Deus da zona leste e quem sabe você ouvirá do esposo de Sara - dirigente de uma das congregações desta denominação - ou da própria Sara. 

Só podemos vivenciar e repetir o versículo escrito em Lucas 1,37:

"Porquanto para Deus não existe nada que lhe seja impossível!” 


terça-feira, 20 de junho de 2017

AS MOSCAS, DE JEAN-PAUL SARTRE, POR YOLANDA SILVA






"As moscas", de Jean-Paul Sartre (1905-1980), é uma peça teatral escrita no ano de 1943, em meio a Segunda Gerra Mundial. Esta peça trata do dilema de um jovem chamado Orestes que vê-se cobrado por sua irmã Electra a se vingar dos assassinos de seu pai Agamêmnon. Todavia, o jovem vive o drama moral de se vingar da morte do pai para assumir seu trono de direito, matando a própria mãe Clitemnestra e seu amante Egisto assassinos e usurpadores de seu trono.


A peça é inspirada na obra do grego Eurípides poeta e dramaturgo clássico do século V a. C., este era considerado um precursor do texto teatral filosófico, por isto fora chamado de "filósofo do teatro", porque em suas peças, procurava sempre pensar a condição da mulher na sociedade grega dentre outros temas filosóficos. Deste modo, não é só a peça escolhida que aproxima Sartre de Eurípides, mas ambos usam o drama para filosofar sobre a condição existencial humana.


A tragédia de Orestes é um braço de um drama maior criado por Eurípides que começa basicamente com a história de Ifigênia. Quando Helena é sequestrada e levada para Tróia, Agamêmnon está preparando os meios para a guerra devido a afronta a seu irmão Menelau, marido de Helena. Tudo estava pronto para ida dos gregos à Troia, mas Agamênon caça um cervo em uma floresta sagrada e se gaba de sua arte de caçador. A deusa Ártemis manda ventos fortes no porto Áulis que impedem os navios de seguir seu caminho. Os ventos só seriam cessados se o rei Agamêmnon sacrificasse sua filha Ifigênia. O rei faz toda uma trama de mentiras para atrair a filha, enganando a mãe Clitemnestra, dizendo a mesma que trouxesse a filha para ser desposada por Aquiles. Depois de muitas reviravoltas, em que o próprio Aquiles quis travar uma guerra para salvar a jovem donzela, Ifigênia se doa em sacrifício para impedir a guerra entre seu povo. A deusa Ártemis troca seu corpo por um cervo no momento do sacrifício e a torna sacerdotisa, todavia, sua mãe acaba se vingando sete anos depois de sua suposta morte, matando Agamêmnon. Tempo depois, Orestes que fora exilado, volta para se vingar e mata a própria mãe Clitemnestra e o seu amante Egisto.

A peça "As Moscas", de Jean- Paul Sartre, detém-se na vingança de Orestes para analisar a crise moral de um homem diante do matricídio e regicídio. Todavia, para além da tragédia por vingança, Sartre usa a peça como alegoria para refletir sobre a liberdade diante da opressão e culpa. Vale também salientar a principal diferença entre o Orestes da peça de Eurípides que é sucumbido pela culpa e o Orestes da peça de Sartre que além de não se culpar, ainda carrega consigo a culpa do povo de Argos.

 A peça de Sartre é um exemplo de arte engajada, "teatro de situações", porque por meio do enredo pode fazer premissas filosóficas didáticas e manejando um pensamento que possa ser subversivo, proporcionando a luta social diante de um opressor vigente, tanto de ordem governamental física, pessoal ou moral religiosa.

A peça foi encenada no ano de 1943, época em que a França fora submetida à Alemanha, porque havia se rendido no ano de 1940. Sendo assim, as moscas simbolizam o invasor Nazista que oprime e come a carne da população. Argos é a França invadida; as moscas são os Nazistas e suas ideologias; os personagens cobertos por moscas são os franceses submetidos aos ideias Nazistas obrigados a colaborar mesmo sem compactuar com os ideias de Hitler. As moscas também podem representar a culpa moral imputada pela Igreja Católica francesa da época que colaborava com os Nazistas.

As moscas estão sobre a população de Argos, comendo e deixando em carne viva sua pele, como castigo pelos crimes de Clitemnestra e seu amante Egisto. Da mesma maneira, Sartre aponta que a população francesa sofre as mazelas de escravização, humilhação e submetimento a ideologia que não lhe pertencia.

Contudo, Sartre não só aponta as culpas e mazelas da omissão de Argos diante da falta de luta por sua liberdade, ele demonstra como deveria haver a libertação por meio da personagem Orestes. 

Enredo da peça

Orestes e o Pedagogo chegam a cidade de Argos e encontram as pessoas cobertas por moscas gigantes que comem as carnes dos mesmos. Logo de imediato, tentam falar com umas mulheres que fogem, algum tempo depois, encontram um personagem que se chama o Idiota que é o único que os responde monossilabicamente. O Idiota expressa bem, logo no início da peça, a condição que está a cidade de Argos.




Em busca de encontrar sua irmã Electra e levá-la embora da cidade, horrorizado com a condição de culpa e miséria em que vivem os habitantes de Argos, ele tem um outro caminho que lhe é imposto. Electra não quer sair de sua cidade, não quer deixar a única forma de vida que conhece. Ela até se encanta em imaginar os lugares alegres, onde as crianças e seus familiares vivem sem culpa que Orestes descreve, mas sua ânsia por vingança é maior. Orestes é influenciado a cometer o matricídio a pedido da irmã e, também, no impulso de limpar a honra de seu pai.  

O crime está prestes a ser cometido, mas o deus Júpiter tenta intervir, avisando a Egisto, mas este não quer matar, não quer viver mais com a culpa e suas companheiras moscas. Ele prefere ser morto por seu enteado vingativo. Depois de idas e vindas dialógicas, Orestes mata Egisto e sua mãe Clitemnestra, acreditando que poderá ser feliz com sua irmã. Todavia, apesar de Electra dançar em um ritual dedicado aos mortos, como ato de subversão e no intuito de mostrar aos habitantes de Argos que a culpa não existe, ela não tem a capacidade de viver e conviver com a liberdade de suas escolhas. Ela se volta contra Orestes e pede o refúgio nos braços opressores de Júpiter sendo ornada pelas moscas carnívoras. Orestes, por sua vez, sendo um homem livre, não consegue ser atingido pelas Eríneas nem pelas moscas, mas quando é cercado no templo de Delfos pelos habitantes de Argos, ele lhes dá a solução final: diz que irá levar as moscas daquele lugar, tal qual um dia, um certo rapaz encantou com uma flauta os ratos que atormentavam outra cidade. 

É complicado dizer o que significa uma obra de arte e mais uma peça teatral que fora escrita para refletir sobre temas e problemas existenciais filosóficos. A peça "As Moscas" é uma alegoria do problema da culpa e do caráter ambivalente da liberdade. Todos somos fadados a enfrentar a liberdade. Electra queria a vingança, mas não suportou a responsabilidade de tê-la quando viu sua mãe assassinada, em contra partida, Orestes é o exemplo literário do homem livre. O homem livre de remorsos, o libertador tal qual Sartre gostaria de ser para seus contemporâneos. Sejam os remorsos "criados" por uma lei moral religiosa ou por suas próprias ações pessoais. Como afirma o próprio Orestes: "O mais covarde dos assassinos é o que tem remorsos".







sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

RESENHA: "O RETRATO DE DORIAN GRAY", DE OSCAR WILDE E O REFLEXO EM UM COTIDIANO






Em uma tarde de domingo, ele acordou e me olhou como se fosse um objeto estranho a seu lado. Ontem ele dormiu mais cedo. Acredito que para não ter que ficar do meu lado mais, tempo que se desdobra. O que senti? Sinto-me meio que letárgica. Já não sinto mais?!
Hoje cedo, ele continuou dormindo até mais tarde, ainda na perspectiva de remir o tempo para não me ver. Fico intrigada e vou olhar o meu rosto no espelho para entender tal repúdio. Fico vendo meu rosto no espelho. Fico vendo meu rosto no espelho e demoro, demoro a reconhecer que sou eu. E vejo: ele mudou. Ele percebeu também e isto é demais para ele. Ou será que estou percebendo o que ele quer que perceba. O espelho é meu, mas o inferno que define o que deve ser visto é ele. Ele tem este poder sobre minha alma. Espelho espelho meu, quem é mais belo do que eu? O espelho responde: “As palavras dele”. Deveria demorar seu coração. Retomar minha beleza e juventude de volta, mas não consigo. Não quero, não posso, porque dependo dele. Diante disto, há tanta dor, tanta tristeza, tenho vivido estes últimos dias que se converteram em ano ou são anos consecutivos em dias... e isto reflete em nosso corpo?!
Ele fala que ando curvada e reclama de minha postura. Durante tantos anos tenho me abaixado, curvando-me diante dele e de suas vontades. O tempo foi implacável em muito pouco tempo comigo. Já não me reconheço mais. Estou feia sim. A pele mal cuidada. O tratamento dentário interrompido está desenvolvendo um abismo no meio de meu rosto. Antes, tão jovem, forte e agora sensível. Junta isto com o meu lado ogra exterior de perna cabeluda forçada: se ao menos eu fosse adepta do movimento feminista, teria até orgulho disto, mas fiz de tudo para economizar e crescer, mas acho que a vida é uma tristeza sem fim, onde os sonhos são abismos que criamos no nosso interior para correr nossa alma. Como escreveu mais ou menos aquela poeta que se suicidou, a poeta que se suicidou: as mulheres e as crianças são as últimas a desistirem de atracarem seus navios no ar. O amor da humanidade é uma mentira, o poeta avisou. Todavia, não quero acreditar. Ainda atraco o amor no ar?!!!
Algumas mulheres são de Marte, outras são de Vênus. Eu decidi ser da primeira opção, que na verdade é mártir na vida de quem deseja uma mulher de Vênus. Uma cabeça oca que só faz as zonas baixas se elevarem. As mulheres mais racionais veem o futuro, mas os homens querem ver o presente resolvido de acordo com suas necessidades.
Estava lendo até agora o livro “O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. E veja só que ironia, justamente neste momento em que me sinto tão triste e decepcionada com o lado macho da existência. Deparo-me com um cara, o próprio Dorian que é um pilantra de galocha. Olha que infeliz das costas ocas. Representa os infelizes desta categoria. O bicho besta Dorian vai a um teatro de segunda, encontra uma atriz interpretando algumas peças de Shakespeare e se apaixona pela genialidade de uma atriz que se distingue da desagradável arte de terceira contida naquele lugar. Ele diz que ela era como uma flor de lótus sobre a lama. Destacando-se dos demais personagens atores. Dorian se apaixona e decide ir ao encontro de seus companheiros: o pintor Basil e o pilantra desagradável do Lord Henry. Ao encontra-los dá a notícia que pedira a jovem em casamento e os convidou para ver a sua amável, linda e extraordinária atriz se apresentar. 
Que contradição, quando eles vão, justamente naquele dia, a jovem é um fiasco. E o que acontece? Quando os amigos se deparam com a ordinária atriz, saem à francesa e Dorian vai ter com Sibyl Vane. Sibyl declara que antes, atuar era tudo para sua vida, mas depois que Dorian declarou seu amor, o teatro perdeu a importância. Ela atuou de forma vulgar, porque queria declarar que Dorian era mais importante, todavia, o Dorian disse que queria ela sendo a atriz genial e não a mulher que ama. A mulher que o ama.  


Dorian volta para sua casa, em um momento olha seu retrato no espelho e vê uma mudança no rosto bem desenhado. Lembra-se de ter deixado Sibyl prostrada no chão, em busca de agarrar seus pés, coração e alma, chorando para que ele não a deixasse. Ele lembra bem de achá-la patética... Patética?! Patética?! Todavia, nada se compara com o horror que aparece no quadro, mesmo que sua beleza continue intocável ao conferir a si mesmo no espelho. No outro dia, depois de se deparar com o horror no espelho, não importava, porque a aparência continuava bela. Quanto a Sybil Vane?

A adorável Sibyl
Que fez do amor
Peça mais gentil
Acabou o amor
Sendo seu covil
Matou sua dor
Saindo do mundo vil.

                Maldito seja Dorian. Maldito seja quem faz da existência o navio de egoísmo. Que tem como mentores o espírito de Lord Henry e o caráter do hedonismo e do prazer como Norte. Que o farol apague, que as estrelas sejam cobertas pelas trevas que sobem de seus negros corações. Que a tempestade das lágrimas sibylantes atormente seus mares interiores. Maldito seja o espírito que faz as fortes e belas Sibyls se entregarem a pessoas superficiais. 


O Lord Henry diz que o casamento é uma regressão no caminho do conhecimento, porque torna os homens altruístas, como se fosse o altruísmo o mal do universo. As pessoas buscam seu prazer individual quando as coisas só tem sentido quanto estamos em conjunto.  
A beleza atrai e deve ser difícil ver a degradação da mesma. Deve ser terrível conviver com a doença, o horror e a velhice, porque lembramos quem somos ou quem seremos. Caso a morte não nos livre de tão fado. Odeio a superficialidade que a beleza faz as pessoas sentirem, porque ela é um engodo da vida. Dorian mantém sua aparência e esconde o horror de sua alma expressa no quatro em um quarto fechado. Não tenho dúvidas de que a vida é terrível e bela. Duas facetas que o homem conhece e escolhe. A beleza é estética, mas é mais relacionada ao espírito. Envelhecer não é o problema, porque isto é a naturalidade da existência. O problema é fazer de nossa existência um mero caminho de Mesalina, Calígula ou Nero. Um caminho de egoísmo e morte. Um caminho de trevas e solidão.
Qual beleza é indispensável? A estética que Dorian mantém para o exterior com seu pacto macabro? Ou a beleza de uma velhice sábia que poderia ter sido mantida em seu ser enquanto o quadro seria só um quadro? Oscar Wilde acreditava que a arte deveria existir somente por ser arte. Arte pela arte. Contudo, seu livro evoca nos leitores caminhos que devem ser refletidos antes de seguidos.



sexta-feira, 11 de março de 2016

RESENHA DE "O DUPLO", DE FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

In memorian do herói Golyádkin


"O Duplo" é o segundo romance publicado por Fiódor Dostoiévski, no ano de 1846. O romance é narrado em terceira pessoa, mas o narrador, apesar de ter um cunho psicológico, só se detém na figura do Yákov Pietrovitch Golyádkin: a quem dá o epíteto de herói. O romance se passa na casa do herói, na repartição em que trabalha, em algumas tabernas e na casa do chefe da repartição. Até chegar ao destino menos desejado, mas obviamente esperado pelo leitor.

Em uma manhã qualquer, às 8:00, Y. P. Golyádkin acorda e levanta, "[...] Aliás, ficou uns dois minutos deitado em sua cama, imóvel, como alguém que ainda não sabe direito se acordou ou continua dormindo" (p.9), e chama seu servo para preparar sua roupa que fora adquirida recentemente. Em seguida, pede para seu criado chamar uma charrete. Quando parte para seu primeiro compromisso - que é uma consulta médica - um colega de trabalho reconhece nosso herói e fala com ele admirado, todavia o nosso herói o ignora. 

Ao chegar no consultório do médico Crestian Ivánovitch, conversa de forma inteligível: gaguejando, confuso e afetado ao defender sua honra e dignidade. O médico receita, para o bem de sua enfermidade, a convivência social, porém nosso herói afirma: 

"- Eu, Crestian Ivánovitch - continuou o senhor Golyádkin no mesmo tom anterior, um pouco irritado e preocupado com a extrema insistência de Crestian Ivánovitch -, eu, Crestian Ivánovitch, gosto da tranquilidade e não do burburinho da alta sociedade. Lá entre eles, digo, na alta sociedade, Crestian Ivánovitch, é necessário saber fazer rapapés (nisso o senhor Golyádkin roçou com o pé), lá se cobra isso, e também se cobram trocadilhos... capacidade de fazer elogios inebriantes... é isso que lá se cobra, mas isto não aprendi Crestian Ivánovitch, não aprendi esses artifícios; faltou-me tempo" (p. 23).

Nosso herói não sabe falar direito e se percebe isto no diálogo com o médico Crestian Ivánovitch que o observa de forma admirada e curiosa. Golyádkin defende a sua magnitude de caráter e se comparando com seus colegas de trabalho que na visão dele são inimigos, tramadores de intrigas em virtude de uma inveja constante que nutrem pelo mesmo. Ao conversar com o médico, ele afirma não saber lidar com fofocas e manipulações, mas ao mesmo tempo que tenta se distinguir, não tem como falar de si como diferente sem expôr os supostos inimigos, ou seja, fazer fofocas confundindo o leitor sobre seu caráter verídico. E isto fica mais acentuado quando ele desse do consultório, pois diante da sua encenação ou realismo perante o médico, o narrador expressa os pensamentos do nosso herói:

"'Esse doutor é um tolo - pensou o senhor Golyádkin, encafuando-se na carruagem-, um pateta. Talvez até trate bem seus doentes, mas mesmo assim... é uma toupeira'. O senhor Golyádkin acomodou-se, e Pietruchka gritou: 'Vamos lá' - e a carruagem voltou a rodar pela avenida".

Partindo deste momento da narrativa, a história se desdobra como a personagem, nos deixando confusos e intrigados pelas intrigas verídicas ou fictícias do herói Golyádkin.

O herói passa a manhã fazendo compras, depois que saiu do médico. Em seguida, vai a um restaurante que nunca havia ousado entrar. Com esta atitude, demostra-se estar fugindo dos hábitos antigos. Neste lugar, encontra dois colegas de repartição que ficam admirados ao vê-lo no ambiente. O colegas expressam a admiração ao herói que rebate as palavras dizendo:

" - O senhores todos me conhecem, mas até agora só conhecem um lado meu. Neste caso não cabe censurar ninguém, e confesso que eu mesmo tenho uma parte da dupla" (p. 37).

Os colegas de trabalho ficam perplexos, mas os funcionários do restaurante riem da figura do herói, mas o mesmo os rebate de forma ríspida:

"- Riam, senhores, riam por enquanto. Vivam, e verão - disse ele com sentimento de dignidade, pegando o chapéu e rumando para a porta. - Porém vou dizer mais, senhores, acrescentou, dirigindo-se pela última vez aos senhores registradores -, vou dizer mais; ambos estão aqui olho no olho comigo. Eis, senhores, minhas regras: se fracasso, não desanimo; se atingido o objetivo, sigo firme, e seja como for nunca armo tramas. Não sou de intrigas e disto me orgulho. Não serviria para diplomata. Dizem ainda, senhores, que a própria ave voa à procura do caçador. É verdade, e estou propenso a aceitar: mas quem aqui é caçador? Isto ainda é uma questão. (...) despediu-se dos senhores funcionários com um sinal de cabeça e saiu, deixando-os extremamente perplexos (p. 38-39). 

Vê-se que Golyádkin provoca uma admiração por fugir de sua vida diária. O que se percebe é que era um homem simples, de vida nas sombras da indigência, indo de sua casa para o trabalho e do trabalho para casa, sem participar de ambientes sociais mais elevados. Não sabendo se comportar de forma politicamente correta, torna-se alvo de riso, mas o interessante é que os funcionários só riem da figura de Golyádkin quando este lhes dá o dinheiro. Isto é algo a se pensar, mas de tão óbvio ninguém nem perde tempo: só valemos o dinheiro que temos, os amigos ricos ou famosos que demostramos ter e a aparente capacidade de enganar os outros é que mostra o valor. A todo momento Golyádkin tenta fazer o novo ambiente social observar seus valores preciosos de dignidade que ele valoriza, mas por isto é alvo de ridicularização. Logo após esta pequena saga diária incomum, o herói segue para seu destino tão planejado. Ele espera por um grande momento: a hora da festa da Clara Olsúfievna. Quando chega na casa, logo de início, o criado afirma que o herói não fora convidado, mas o mesmo afirma que fora convidado. Quando o Senhor Golyádkin se sente ultrajado e tenta entrar, um de seus colegas que encontrara tempos antes, impede sua entrada, foçando-o a descer para que não importune o dono da casa que é o chefe de ambos.

Golyádkin fica decepcionado, anda sem rumo pelas ruas até chegar em uma taverna e depois de tomar umas e outras, volta até a casa de seu chefe para reivindicar seu suposto convite. Fica na espreita no fundo da casa até conseguir uma brecha e entrar pela cozinha. Enquanto nosso herói perambula desorientado, o narrador descreve no capítulo IV a festa de aniversário e toda pomba da casa de Clara Olsúfievna. Todavia, não se detém na descrição deste ambiente, mesmo com toda riqueza deste lugar ele prefere a riqueza do herói. O narrador nos leva, como um anjo guardador ou observador, até o senhor Golyádkin. Para justificar esta ação, o narrador afirma:

"Para tudo isso, como já tive a honra de vos explicar, oh leitores! Falta-me pena, e por esta razão me calo. É melhor nos voltarmos para o senhor Golyádkin, o único, o verdadeiro herói da nossa mui verídica história" (p. 50).

O fato é que o narrador nos leva para o pobre e desolado herói fracassado que toma uma atitude: decidi penetrar na festa. Nosso herói ficou no fundo da casa e quando os empregados deram um vacilo, ele entrou e ficou fascinado pelo ambiente. Alguns se incomodaram rapidamente ao perceber a figura que entrara, mas fizeram o papel da boa e falsa conduta social educada e fingiram não percebê-lo. Golyadkin, meio atrapalhado, pisou no vestido de uma, empurrou outro e enfeitiçado pela beleza de Clara vai até ela. Quando se inclina para lhe saudar, pegar-lhe a mão e a convida para dançar, acaba se atrapalhando e assusta a jovem:

"Clara Olsúfievna soltou um grito; todos se lançaram a fim de soltar sua mão da mão do senhor Golyádkin, e num instante a multidão afastou à força nosso herói a quase dez metros de distância" (p. 60)

Depois de ser expulso da festa, Golyádkin volta para casa desconsolado. O fato é que aquele fato desencadeou em nosso herói um acontecimento ímpar no interior ou exterior que acabou levando o herói rumo a hybris social. O senhor Golyádkin viu uma figura parecida consigo em vários momentos na volta para casa. Quando chegou em sua rua, lá estava a figura. Quando chegou na porta de seu apartamento, lá estava a figura e quando pegou a vê-la e adentrou ao seu quarto:

"[...] O desconhecido estava sentado à sua frente, também de capote e chapéu, em sua própria cama, com um leve sorriso nos lábios e, apertando um pouco os olhos, fazia- lhe um amistoso aceno de cabeça. O senhor Golyádkin quis gritar, mas não pôde, quis protestar de algum modo, mas não teve forças. Ficou de cabelos arrepiados e sentou-se, desfalecido de pavor. Aliás, havia razão para isso. O senhor Golyádkin reconhecia por completo seu amigo noturno. O amigo noturno não era senão ele mesmo - o próprio senhor Golyádkin, outro senhor Golyádkin, mas absolutamente igual a ele - era, em suma, aquilo que se chama de o seu duplo, em todos os sentidos..." (p. 74).



O que pensar com a existência do duplo: será uma criação da personagem principal? Será um parente próximo e muito parecido do senhor Golyádkin, ou será que do próprio interior do inconsciente de Golyádkin saiu seu duplo para fazer companhia ao pobre e desprezado homem. A todo momento, o leitor ficará confuso sobre o Golyádkin segundo que de início se torna amigo do primeiro Golyádkin, mas logo em seguida procura o trabalho e assumir a vida do primeiro. Tudo que o senhor Golyádkin primeiro não conseguia fazer, o seu duplo, seu gêmeo ou seu parente próximo fazia com maestria, inclusive agir com vilania. Se tornou popular, adquiriu amigos, era convidado para conversas com os colegas, enquanto o nosso herói se afundava em tristezas e infâmias de um que queria seu emprego e de outros que se incomodavam com a simples existência dele. 

A história é angustiante em vários momentos, pois como leitora me senti uma Golyádkin e isto, segundo o comentário de Paulo Bezerra é bom, porque o próprio Fiódor Dostoiévski tinha uma simpatia por pessoas que não fugiam de suas intrigas interiores, mas ao contrário, buscavam fugir das convenções sociais para entender a si mesmo e ao mundo. O próprio escritor tinha epilepsia e era de certa forma meio Golyádkin também. Não é à toa que Sigmund Freud se interessou tanto pelas obras de F. Dostoiévski, pois neste livro podemos ver expresso a teoria do Id, Ego e Superego do pai da psicanálise e do consciente e inconsciente. 

De forma superficial, podemos dizer que S. Freud dividia o interior da mente humana em consciente e inconsciente. No inconsciente se encontra nossos desejos e instintos mais sombrios e mais essenciais para existência como: pulsão de vida e morte, libido que é o desejo que nos impele a luta e conquista.Todavia o consciente nos faz frear nossos desejos, para que não aconteça uma hybris inconsciente que provoque um caos entre os indivíduos na sociedade. Neste jogo, estão em destaque as palavras: Id que se encontra do turbilhão do inconsciente que expressa bem estas pulsões tão perturbadores do inconsciente. O Ego que é mais voltado para o consciente e busca conseguir sempre equilibrar as vontades do Id em relação ao Superego. Por último, o Superego são as "castrações sociais" que nos fazem agir de forma "normal"para não haver um caos existencial coletivo que levaria a uma animalidade: dramático isto?

Observando o senhor Golyádkin, percebemos um homem impelido pelo seu Id a realizar seus desejos, começando por se dar ao direito de dançar com a bela Clara e fazer parte de seu "clube social", mas ele em si só é incapaz por não ser rico, bem afeiçoado as boas palavras e ter uma aparência agradável. Isto é provado até pelo significado de seu nome, pois de acordo com uma nota de rodapé: "O sobrenome Golyádkin deriva de golyadá, golyadka, que significa pobre, indigente,  mendigo, miserável" (p. 53).

Após a rejeição social pela sua condição de pobreza, aparece um outro Golyádkin que é totalmente diferente do primeiro e deveras sede ao Id deixando o Golyádkin primeiro como responsável por suas ações, pois as pessoas não distinguem um do outro, ou se um se fundiu no outro e ambos se rebelaram contra o Superego da sociedade hipócrita que não valorizava os valores que Golyádkin primeiro tando valorizava, mas não valiam nada sem que o mesmo possuísse dinheiro. 

O duplo do Golyádkin, nosso herói, pode ser uma resposta vingativa à sociedade da época e pode ser tomado agora. O Ego do senhor Golyádkin fora destroçado pela sociedade, pela sua própria condição social a priori e por si mesmo no fim das contas. O fim da história acontece com o estopim que fez surgir o duplo. Algo de terrível acontece com nosso herói, mas deixo para vocês descobrirem ao ler este livro magnífico. Só quis pincelar em tintas negras e, em alguns momentos, usei tinta de luz em meio a escuridão para pintar o quadro da vida não valorizada do herói Golyádkin em meio a sociedade que vivia. Brindemos com água de esgoto aos Golyádkins da vida, porque a sociedade bem aventurada jamais compartilhará seus deliciosos vinhos e champanhes. 

Depois de um acontecimento, eis que só fica com nosso herói o seu duplo. Como um escorpião encurralado pelo fogo fomentado pela sociedade traiçoeira, o nosso herói perde o controle e acaba trazendo seu duplo como um ferrão venenoso para sua libertação:

"Quem mais tempo continuou atrás foi o vil gêmeo do senhor Golyádkin. Com as mãos enfiadas no bolsos laterais das calças verdes de seu uniforme, ele corria com ar satisfeito, saltitando ora de um lado, ora do outro da carruagem; vez por outra agarrava-se à moldura da janela e pendurando-se nela, enfiava a cabeça e mandava umas beijocas de despedida para o senhor Golyádkin; mas até ele começou a cansar, sua imagem foi rareando mais e mais e por fim desapareceu de todo (p. 232).






Opções de capas da editora 34 do livro "O Duplo" de Fiódor Dostoiévski




DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O Duplo.Tradução de Paulo Bezerra; desenhos de Alfred Kubin de Samuel Tian Jr. São Paulo: Editora 34, 2013. (2º edição). 256 p. (Coleção Leste).


segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

RESENHA DO LIVRO "RESSURREIÇÃO", DE MACHADO DE ASSIS

Félix: o Otelo brasileiro


O livro "Ressurreição" é o primeiro romance publicado de Machado de Assis. Ele é narrado em terceira pessoa, em que o narrador é, de certa forma, onisciente, porque apreende e expõe ao leitor o que se passa na cabeça das personagens. O narrador deste romance já aponta para o grande estilo de narrar que podemos observar em romances como "Dom Casmurro" e outros grandes romances de Machado.

As personagens principais são: Félix, um ex-médico que recebera uma herança e desde então vive os prazeres da vida burguesa. Logo em seguida, no romance, aparece a personagem Viana que anunciará a chegada da segunda personagem principal: a viúva Lívia. O encontro de Lívia e Félix acontece na casa do Coronel e D. Matilde que tem uma filha chamada Rachel que era uma jovem apaixonada por Félix. Félix também tem um grande amigo Meneses que tem por característica o romantismo e, também, há o antagonista L. Batista que mesmo casado, flerta com Lívia, mas é desprezado pela mesma.

No início, Félix se mostra inflexível ao amor, tanto que seu amigo Meneses chega meio que desesperado, com medo de estar sendo traído pela sua amante, então entra em um diálogo com Félix e, por meio deste diálogo, podemos conhecer um pouco do Félix. Segue a citação:

Dou-te enfim um conselho, disse Félix.
Meneses levantou os olhos com ansiedade.
- Qualquer que seja a resolução que tomares, continuou Félix, não recues um passo.
- Onde acharei esta resolução?
- Aqui, disse Félix pondo-lhe o dedo na testa.
-Oh! Não! suspirou Meneses; a cabeça nada tem com isto, todo mal está no coração.
- Recorre á cirurgia: corta o mal pela raiz.
- Como?
- Suprime o coração. (MACHADO, 2008, p. 40).

Esta percepção do amor na mente de Félix muda drasticamente depois do baile de valsa na casa do Coronel, onde ele percebe o flerte do Batista, mas mesmo assim resolve se aproximar de Lívia e ambos recordam de encontros anteriores. Lívia tinha intenção de viajar, pois gostava muito de passear pela Europa, mas ao ouvir Félix dizer que a amava, ela desiste da viagem.

O romance tinha tudo para ser perfeito. Os dois vivem dias românticos em suas chácaras, mas percebendo o namoro entre os casais, L. Batista resolve se vingar por ter sido rejeitado, então percebe um grande defeito em Félix: "o veneno do ciúme". Então o Batista simula olhares, põe dúvidas sobre a honestidade e integridade da viúva Lívia e, por isto, o romance começa a ficar meio atribulado, com idas e voltas. Félix, às vezes, percebe sua loucura em ver monstro no que na verdade são moinhos de vento. Depois de muitas aflições e dúvidas, a jovem Rachel escreve uma carta sobre a honestidade da Lívia e, após isto, Félix resolve casar. Todavia, antes que o casamento aconteça, Batista faz uma manobra para acabar com o romance. Ele envia anonimamente uma carta para Félix que dizia:

"Mísero moço! És amado como era o outro; serás humilhado como ele. No fim de alguns meses terás um Cirineu para te ajudar a carregar a cruz, como teve o outro, por cuja razão se foi desta para a melhor. Se ainda é tempo, recua!" (MACHADO, 2008, p. 122).

Depois desta carta, o fraco do Félix termina de forma abrupta e sem explicação a cerimônia de casamento. Lívia fica muito doente. Este fato só fica esclarecido devido a intervenção de Meneses que mesmo amando Lívia, queria ser justo e também Raquel pediu ao mesmo que buscasse a verdade para ajudar a pobre viúva. Para saber se o casal reata, será necessário ler o livro, mas posso dizer que Raquel e Meneses mostraram ter um caráter similar em justiça, casaram-se e foram muito felizes. 

"O amor é fogo que arde sem se ver", como bem disse Camões... e quando ele não é cultivado em um coração de boa índole, será a tesoura de jardineiro que cortará a rosa. Pois, o que a pessoa é capaz de fazer aos outros, irá projetar no outro que ama. O amor, de centelha anímica, virará uma saraiva que consumirá a ambos e feliz o que percebe logo e foge dos amores mortais passionais. 


Cena de uma peça de W. Shakespeare, chamada "Otelo de Veneza", em que enganado por Iago, a personagem principal mata injustamente sua amada Desdemona. 


sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

RESENHA: "GENTE POBRE", DE FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

GENTE POBRE! GENTE POBRE EM RELAÇÃO A QUÊ?


O livro "Gente Pobre", de Fiódor Dostoiévski, foi escrito no ano de 1846 (ou 1845) quando o escritor tinha 25 (ou 24) anos de idade. Logo que o livro caiu nas mãos de Vissarion Belínski, um dos mais importantes críticos literários da Rússia, este vaticinou que um gigante da literatura Russa estava nascendo. Infelizmente o mesmo morreu em 1848 e não pode vivenciar o que previra ao ler "Gente Pobre".

A estrutura do romance é epistolar, ou seja, formado por diversas cartas trocadas entre um funcionário público chamado Makar Diévuchkin e uma costureira órfã chamada Varvara Alieksiêievna. O espaço em que o romance se passa é em um bairro pobre de São Petersburgo, onde ambos moram em pensões vizinhas.

Makar Diévuchkin é funcionário de uma repartição pública onde assume a simples função de copista. Ele é descrito como um homem de meia idade, pobre, maltrapilho, profundamente frustado com sua vida sem sucesso profissional, todavia é um homem profundamente caridoso com uma jovem órfã de pai e mãe. Esta é Varvara Alieksiêievna que teve sua vida totalmente mudada com morte precoce do pai e logo em seguida, devido a vida sofrida, a morte da mãe. Quando os pais morreram, ela foi parar na casa de Anna Fiódora, uma pensionista que sempre se aproveitava da jovem.

Muitas são as cenas impactantes descritas nas cartas sobre vidas paralelas de personagens que são descritas pelas duas personagens principais neste romance, tanto que: "O poeta Russo Nokolai Niekrássov (1821-1878) e o escritor Dmítri Grigoróvitch (1822-18990), ao terminar sua leitura, em lágrimas, saíram anunciando que havia surgido um novo Gógol e predizendo um grande futuro ao então jovem escritor" (BIANCHI apud DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 174).

Logo nas primeiras cartas, Makar Diévuchkin descreve a sua penúria social e se sente um ser sem direito até de sonhar, mas ao pensar em sua "pombinha" Varvara Alieksiêievna que ele apelida de Várienka, muda de visão, dando-se o direito de sonhar. Podemos vislumbrar esta parte por meio de uma das citações mais lindas do livro. Apesar de Makar se achar incapaz de escrever com elegância e poesia, ele consegue expressar tamanha magnitude de beleza e leveza ao mundo sofrido em que vive:

"[...] Hoje até me entreguei a sonhos bem agradáveis e meus sonhos foram o tempo todo com você, Várienka. Comparei-a com um pássaro do céu, criado para alegria dos homens e adorno da natureza. E então pensei que pessoas como nós, Várienka, que vivem sempre em meio a tribulações e sobressaltos, também deveriam invejar a felicidade despreocupada e inocente das aves do céu" (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 13).

Ambas as personagens de sentem inferiores na vida não só por estarem a margem da sociedade, mas há uma carga psicológica que os castiga sem motivos. Makar se sente inferior e responsável por suas aflições financeiras e tem um ego totalmente auto-destrutivo, tanto que em determinado momento acaba bebendo e caindo em desgraça, perdendo o seu respeito que tantos admiravam de homem pobre, porém temperante, tudo devido a pequenas calúnias maldosas de sua suposta intenção de ter uma mulher mais jovem sem ter condições financeiras e aparência para tal conquista. Todavia, Várienka intervém e o intima e se erguer e ter sua autoestima de volta. 

Varvara Alieksiêievna, apelidada por Vàrienka por Makar, em todo momento tentava justificar o fato de ter perdido a sua honra por uma manobra de injustiça arquitetada pela dona da pensão Anna Fiódora que se sentia dona de Várienka desde a morte de seus pais. E ela se culpava por não ter aprendido as lições que seu pai tinha se esforçado para que ela pudesse adquirir enquanto ele estava vivo, porém, assim como ela fazia com Makar, o mesmo a fazia se sentir forte e bela diante do mundo, independente das desventuras que acometeram sua vida. O cuidado de Makar em relação a Várienka é extraordinário e se ver que não se trata de atração sexual, porque mesmo com os diversos convites, Makar sempre se recusa a ir à casa de sua protegida com medo que seja mal interpretado.

Há diversas passagens que expressam a riqueza interior de Makar em outras partes do livro, a exemplo de quando um homem que tem por sobrenome Gorchkov vai até o seu quarto de pensão, pois eles, juntamente com outras personagens vivem praticamente amontoados neste lugar. O mesmo tem um problema na justiça e possui mulher filhos. Em um dia de desespero, Gorchkov chega até o quarto de Makar e pede uma contia de copete, ou seja, dinheiro para poder comprar comida para sua família e chama atenção para seu filho doente. Makar, olha para a figura do homem, tem um momento de crise interior, porque aquela contia pedida era a que possuía para comer no dia seguinte, porém Makar vai até a gaveta e empresta o dinheiro ao vizinho. Este o agradece do forma fervorosa. 

Depois de um tempo, Makar descreve em uma carta um fato triste, mas no início não se entende o porquê desta tristeza. Nesta carta, Gorchkov obtém a justiça que era esperada fazia muitos anos e que por muitos era desacreditada. O caso consistia no fato de que Gorchkov era um funcionário público que fora enganado e culpado por algo que não cometera, mas a verdade foi descoberta, ele ganhou a causa, pagou suas dívidas e ficou extremamente feliz por limpar sua honra. Descreve Makar para Vaárienka:

"Hoje teve um lugar em nossa apartamento um acontecimento triste, absolutamente inexplicável e inesperado. Nosso pobre Gorchkov (é preciso mencionar-lhe isto, minha filha) foi completamente absolvido. O caso acabou portanto de maneira não muito agradável a ele (...). Estava tão emocionado, coitado. Não conseguia permanecer dois minutos no mesmo lugar; pegava tudo o que lhe caía às mãos e depois tornava a largar; não parava de sorrir e de nos cumprimentar, sentava, levantava, tornava a sentar, falava sabe Deus o quê - dizia: 'A honra, a minha honra, o meu bom nome, meus filhos' - e falava de um jeito! começou a chorar. A maioria de nós também derramou umas lágrimas. Rataziáiev, pelo jeito, queria animá-lo, e disse: 'O que é a honra, meu amigo, quando não se tem o que comer; o dinheiro é mais importante, é por isso que deve agradecer a Deus!' - e ao dizê-lo deu-lhe uma palmadinha no ombro. Pareceu-me que Gorchkov se ofendeu, isto é, não que tenha manifestado descontentamento, mas lançou um olhar meio estranho para Rataziáiev e retirou a mão dele de seu ombro (DOSTOIÉVSKI, 2009, p. 154-155)

Infelizmente sua honra foi lavada, mas o dinheiro chegou tarde para salvar a vida de seu filho. Esta questão entre o que é mais importante: se é o dinheiro ou a honra causou um certo desencontro entre Gorchkov  e o poeta Rataziáiev morador da pensão em determinado momento, quando todos comemoram a justiça feita. Todavida, Gorchkov  volta para seu quarto com muitos convidados para comer, mas quando as pessoas saem e sua mulher vai até seu filho, acaba descobrindo que o mesmo morrera. Gorchkov  fica desconsolado e vai deitar para tentar se confortar, mas quando a mulher o busca um tempo depois, o honrado e desaventurado Gorchkov também morrera. 

Nesta resenha, foram descritas algumas passagens que chamaram atenção para a grandiosidade da percepção de Fiódor Dostoiévski enquanto escritor na figura da personagem Makar. É extraordinário ver o título da obra entrar em plena antítese com o conteúdo da obra. A Gente Pobre descrita no romance são pobres financeiramente falando, mas são imensamente ricas em humanidade e compaixão. Sendo a solidariedade uma das características que faz o coração se apertar e se emocionar, pois se não houvesse tanta dificuldade, não se perceberia tanta grandiosidade em uma alma humana desenhada por meio de orações e emoções que este livro nos transmite. Fica a dica para nós do que realmente é a verdadeira pobreza e em que consiste a riqueza. Ler "Gente Pobre" é perceber que o homem pode ser bom independente da situação, porque ser solidário e honrado é questão de escolha. O fim de Várienka e Makar não irei contar, porque quero que mergulhem na leitura deste livro para sentir estes fatos narrados de forma sucinta, mas possam sentir algo ainda mais forte que me fez chorar profundamente como a vida de um certo professor amigo de Várienka. 

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Gente Pobre. Tradução, posfácio e notas de Fátima Bianchi. São Paulo: Editora 34, 2009.