EXISTENCIALISMO
[...] Então, isto é que é o inferno? Nunca imaginei... Não se lembram? O enxofre, a fogueira,
a grelha... Que brincadeira! Nada de grelha. O inferno... são os outros.
a grelha... Que brincadeira! Nada de grelha. O inferno... são os outros.
Personagem Garcin
In: Entre quatro paredes, de Jean-Paul Sartre
Uma das frases mais intrigantes dos pensadores existencialistas é "o inferno são os outros", contida no livro "Entre quatro paredes", de Jean-Paul Sartre. Esta obra pertence ao movimento filosófico denominado existencialismo, que surgiu no meio do século XX, na Europa. Os principais pensadores do existencialismo ateu são: Jean-Paul Sartre, Albert Camus e Simone de Beauvoir. Estes pensadores desacreditavam na existência de Deus e se assumiam sua existência de forma irônica, tinham-no como opressor dos seres humanos, porque, segundo eles, Deus havia criado o mal para o mundo e o mesmo aflige com castigos. Deus é tomado como uma criação de linguagem que deve ser rompida para que o homem possa exercer sua liberdade. Sendo assim, não existindo Deus, não há princípios éticos pautados em uma moral Cristã, mas cada ser humano iria seguir os princípios morais pautados em suas escolhas. Partindo da liberdade individual inerente a cada indivíduo, sendo uma má vontade (má fé) não assumir esta mesma liberdade. Portanto, o único erro do ser seria transferir esta escolha para outrem. Assim sendo, todos os seres humanos estão fadados à liberdade.
Para compreendermos um pouco da visão existencialista, vamos fazer uma singela leitura da obra "Entre quatro paredes", de Jean-Paul Sartre, onde podemos ver alguns dos princípios desta cosmovisão. Em um salão, entre quatro paredes, inicia-se a peça teatral com o diálogo entre as personagens O Criado e Joseph Garcin, que era "publicista e homem de letras" (p. 6). O lugar é descrito como um salão do tipo Segundo Império, onde nada combina e o tédio é a monotonia fazem a filantropia do lugar. O Criado, de forma monótona, responde às perguntas sobre o lugar que se trata do inferno. Na segunda cena, entra a personagem Inês, que observa em silêncio o lugar, trazendo a admiração do Criado por não ouvir nenhuma interrogação. Para completar o trio e o lugar na terceira poltrona, entra Estelle.
Por se tratar do inferno, Inês acredita que Garcin é o carrasco que iria afligi-la por suas culpas, mas este afirma não tratar deste personagem infernal. Porém, os tiques nervosos de Garcin incomodam a Inês que reclama, fazendo-o colocar as mãos no rosto. Ao entrar e ver o homem com a mão no rosto, Estelle fica apavorada, pois achava que se tratava de seu ex amante sem rosto, posto que havia se suicidado com um tiro na cara. Logo neste encontro das personagens, podemos entender o que se passa com as mesmas, por meio da forma como cada uma das mulheres veem Garcin. Cada uma o enxerga por meio de seus temores. Garcin pergunta pelos instrumentos de tortura infernais que deveriam ter no inferno. Inês pergunta pelo carrasco que iria trazer-lhes o horror, mas Estelle já se aproxima do que iria acontecer, pois teme à perseguição do seu erro expresso no homem que se matara por causa dela.
Dando seguimento a história, cada um tem curiosidade de saber qual o fato que os teria trazido ao inferno. Cada um narra seu erro que se torna uma arma de tortura nas frases seguintes. Inês é uma mulher que odeia homens e se apaixona por Estelle, que por sua vez se apaixona por Garcin, desejando se entregar a ele, mas ele fica impossibilitado de ter um pequeno prazer no inferno, porque o olhar de Inês, que deseja Estelle sempre está sobre ele, apontando a fraqueza que fora antes confidenciada. Sempre que se aproxima de Estelle, Inês chamava Garcin de covarde, posto que morrera de forma frouxa e, em vida, aproveitava-se para tortura sua esposa. Desde as confidências de início, até o fim da peça, tornam-se cada um o inferno para o outro. Como podemos ver neste breve diálogo onde Garcin e Inês brigam:
INÊS – (Encarando-o sem medo, mas com enorme surpresa) Ah! (Um tempo) Esperem aí. Agora compreendo, agora sei porque nos puseram juntos. GARCIN – Tome cuidado com o que vai dizer. INÊS – Vão ver como é tolo. Tolo como tudo. Não. Não existe tortura física, não é mesmo? E, no entanto, estamos no inferno. E ninguém mais chegará. Ninguém. Temos que ficar juntos, sozinhos, até o fim. Não é isso? Quer dizer que há alguém que faz falta aqui: o Carrasco (p. 13)
A leitura concernente ao existencialismo que podemos fazer é que Sartre transforma um elemento de simbologia Cristã em um evento prosaico do cotidiano, ou seja, o inferno não é um lugar onde há seres metafísicos que atormentam os homens pelos seus pecados, mas são as escolhas das personagens que se tornam armas de torturas. Porém, por que isto acontece? Se o universo existencialista buscava ser livre de culpa e afirmava que toda escolha feita pelo homem é boa, como pode ser estas escolhas serem elementos de culpa para o inferno criado na obra de Sartre? Se há culpa, então não conseguiu o existencialismo se livrar do pressuposto dos erros expressados na Bíblia?! E indo ainda mais adiante, podemos dizer que há uma contradição na afirmação satriana de que seria o homem incapaz de fazer uma escolha ruim. Como vemos, as personagens cometeram crimes por vaidades, foram incapazes de exercer sua liberdade com boas escolhas. Estelle trai o marido e tem um filho com o amante, mas mata a criança na frente do jovem que não suporta a cena grotesca e se suicida. Garcin, por sua vez, havia traído sua pátria, mas antes, havia destruído a vida da mulher de desgosto, com maus tratos verbais e traições explícitas, chegando ao ponto de ter como amante a própria empregada, fazendo a esposa lhes servir café na cama maculada. E Inês havia matado um homem com a sua amante. Todas as escolhas das personagens foram ruins, tanto que as mesmas se tornaram o inferno pessoal de cada um.
O existencialismo afirma que somos nós que nos tornamos o que somos. "Para os seres humanos a existência precede a essência; as pessoas fazem de si mesmas o que são" (SIRE, 2009, p147). O que podemos perceber é que "os outros", como se vê na peça, são apenas os espelhos que fazem os seres humanos verem a si mesmo. Em um momento do diálogo, Estelle deseja passar batom, mas no inferno não há espelho, então Inês se oferece para que a outra possa se ver por meio do espelho de seus olhos. Mas Estele teme a subversão de sua imagem pela outra. E afirma que o espelho que ela usava em vida era material domesticado.
Com minha pequena visão, posso dizer que o homem sem Deus é o mais miserável dos seres. Porque ele irá perder o Norte de boas escolhas, como aconteceu com as personagens, e não terá um remidor para a consumação inerente por seus pecados. Como afirma o próprio Camus, em seu livro "A queda": "Para qualquer pessoa que está sozinho, sem Deus e sem um mestre, o peso dos dias é terrível" (In: Enciclopédia de Apologética, de Norman Geisler). Ainda na mesma Enciclopédia Apologética, podemos felizmente aprender que o próprio Sartre se voltou para o Deus que havia renegado na sua mocidade:
[...] Dois homens, Alain Larrey e Michael Viguier, que viviam em Paris em 1980, relatam que, dois meses antes de morrer, Sartre comentou com seu médico católico que 'se arrependia do impacto que suas obras tiveram sobre os jovens', lamentando que tantos 'as tivessem levado tão seriamente' (p. 799), por causa disto, recebeu o apelido - de sua ex amante Simone de Beauvoir - de "Vira-casaca".
Quem quiser referência é só pedir. Não coloquei porque to cansada. Mas lembrem se interessar.
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